Mc 4,35-40: A tempestade acalmada Sábado 30/01/2021

EVANGELHO Mc 4, 35-41
«Quem é este homem,
que até o vento e o mar lhe obedecem?»

Jesus e os discípulos passam ao outro lado do lago, para a terra dos Gerasenos. A narração começa com a tempestade acalmada. Os discípulos ficam maravilhados e interrogam-se sobre a pessoa de Jesus; é o ponto de partida para a fé: admirar, contemplar, deixar-se conduzir para além do simples espectáculo e captar o mistério, a realidade divina, que se oculta e se revela nos acontecimentos da vida, e muito particularmente, nos da vida de Jesus. Quem é Ele? O Filho de Deus feito homem, para que, por Ele, o homem chegue até Deus!

EVANGELHO______________________ Mc 4,35-41

Quem é este homem, que até o vento e o mar lhe obedecem?

Ler a Palavra

Depois do ensino em parabolas (cf. Mc 4,1-34), abre-se no Evangelho de Marcos uma sequência de textos sobre a actividade e sobre os milagres de Jesus (4-35-6,6a).

O tema da «barca» – introduzido no versículo 4,1 e particu­larmente relevante no texto da liturgia hodierna (a palavra apa­rece quatro vezes no texto grego, nos w. 36 e 37) – unifica toda a secção, até ao capítulo 8,26. Jesus domina as forças do mar, tal como o Senhor Deus, no Antigo Testamento, imperava sobre as águas do mar Vermelho (cf. Ex 14) e do rio Jordão (cf. Js 3; Sl 73,13-14; etc.).

Compreender a Palavra

A narração da tempestade acalmada apresenta- se, não só como o relato de um episódio da vida pública de Jesus, mas presta-se também a uma rica interpretação simbólica.

É evidente, antes de mais, todo o significado eclesiológico da imagem da «barca», sobre a qual os discípulos passam para a outra margem juntamente com Jesus, e são evidentes os valo­res simbólicos do “sono” do Mestre (figura da ausência pascal d’Aquele que ressuscitará e fará ressuscitar dos mortos). Além dis­so, o “mar”, no conceito bíblico, é a morada dos poderes do mal, sobre o qual só Deus exerce o Seu poder. Na autoridade de Jesus sobre as forças da Natureza manifesta-se o domínio de Deus so­bre os elementos da Criação, e também a Sua vitória sobre tudo o que é demoníaco. Basta que Jesus repreenda o vento e imponha silêncio às águas para que volte a bonança.

Jesus torna conscientes os Seus discípulos de que o medo de­monstra a sua falta de fé n’Ele. Jesus é não só o seu Mestre, mas também Aquele «ao qual até o vento e o mar Lhe obedecem». Trata-se de uma teofama que enche os discípulos de temor reve­renciai.

DA PALAVRA PARA A VIDA————————————————

Em Jesus de Nazaré revela-se a mesma omnipotência de jhwh, mas sub contrario, ou seja, numa aparência de preca­riedade e de fraqueza: num homem crucificado e ressuscitado dos mortos.

O mistério da Encarnação renova-se na História da Igreja: nesta permanece a força invisível (intuída na fé e na esperan­ça) de um povo de pobres, chamado a atravessar as vagas e as tempestades da História numa barca exposta às forças da intempérie. A fraqueza, a precariedade dos instrumentos e dos meios escolhidos para testemunhar o Reino torna-se o lugar privilegiado, no qual se manifesta o poder de um Outro.

A presença do Senhor Ressuscitado impõe novamente silên-

cio e paz às forças que agitam as aguas do mundo, e apela para uma fé viva os Seus discípulos, sempre tão lentos e duros de coração em acreditar nas promessas do seu Deus.

Dando continuidade à fé de Abraão, os seus descendentes numerosos como as estrelas do céu são chamados a peregri­nar na terra como numa região estrangeira (primeira leitura, anos ímpares), vendo e saudando de longe o penhor dos bens prometidos, que lhes são dados como um «já» e um «não ain­da» daquela pátria para a qual caminham. O dom da fé, nas provas da vida, encontra-os confiantes da presença d’Aquele que é capaz de fazer ressuscitar todos os homens do reino dos mortos.

E se até o justo cai sete vezes ao dia – ninguém se pode salvar a si mesmo, mas todos nós fomos salvos e redimidos gratui­tamente por Aquele que Se ofereceu por nós (cf. Rm 3,24) – a contrição do coração e a confissão da culpa abrem portas à reconciliação com Deus, o qual, obstinadamente, não dei­xa ninguém em poder do seu pecado (primeira leitura, anos pares). Embora seja preciso aceitar a responsabilidade e as consequências do mal cometido, nem as culpas mais graves tornam impossível o perdão do Pai.

Oração

Ó Deus, do Vosso ser brota todo o futuro;

fazei que os acontecimentos do mundo

e a agitação inquieta dos homens

obedeçam aos Vossos desígnios,

como o mar em fúria obedeceu às ordens do vosso Filho,

para que no vosso Espírito se aplaquem todos os corações

e a Igreja goze sempre da Vossa paz.

SÁBADO

Mc 4,35-40: A tempestade acalmada Sábado 30/01/2021

Quando Deus parece “dormir a sesta ”

  1.  Uma pergunta de fé: Quem é este? Depois do ensinamento de Jesus sobre o reino de Deus mediante parábolas, como vimos em dias anteriores, vem agora no relato de Marcos um ciclo de quatro mila­gres de Cristo. Hoje lemos o primeiro: a tempestade acalmada. O acento destas narrações milagrosas é marcadamente cristológico. Tais milagres são manifestações do poder divino de Jesus, vencedor das forças do mal, do demónio, da doença e da morte. O evangelista mostra-nos assim a presença do Reino actuando na pessoa de Cristo, tanto no seu anúncio missionário como na sua actividade milagrosa.

A intenção fundamental que está subjacente no relato da tempestade acalmada é a fé em Jesus por parte dos seus discípulos. Cristo realiza o prodígio para suscitar e confirmar a fé dos seus apóstolos nele. Uma fé que deve superar o medo, o desânimo e a desconfiança. “Ainda não tendes fé?”, censura-lhes Jesus no final.

Jesus dormia no barco enquanto rugiam o vento e o mar; mas mais adormecida estava a fé dos seus discípulos nele. A dúvida e o medo diante do mistério de Cristo acompanharam-nos sempre durante a vida do Senhor. De maneira que uma das expressões mais repetidas do evangelho na boca de Jesus é: “Não temais”. Dir-se-ia que o medo e a dúvida foram os pressupostos prévios para dar o passo jubiloso para a fé e para a alegria da Páscoa.

A pergunta final que, espantados, fazem entre si os apóstolos pe­rante a tempestade mudada subitamente em plácida bonança: “Quem é este?”, não parece expressar júbilo, mas continuar o medo que antes expressaram: “Mestre, não te importas que pereçamos?”. Certamente, a sua fé em Cristo não era ainda sólida; não podia sê-lo. Necessitariam da luz pascal da ressurreição de Jesus para chegar à fé madura.

Por isso, a questão apresentada; Quem é este que até o vento e as águas lhe obedecem?, inclui, pelo menos implicitamente, a resposta posterior da comunidade apostólica e de todo o evangelho: Este é Deus. Tal é o conteúdo básico da fé cristã, de que fala a carta aos He­breus (11,1 ss: l.a leitura, ano ímpar).

  •  São dois os níveis de leitura do facto evangélico de hoje: o cristológico e o eclesial. Ambos estão intimamente relacionados. Não podemos ficar numa leitura meramente “milagrista” desta cena in-

sólita, esquecendo que os evangelhos foram escritos a partir da fé e da experiência pascal dos apóstolos e da primitiva comunidade cristã.

Em primeiro lugar, o milagre da tempestade acalmada é um sinal da divindade de Jesus que, como o Deus bíblico, aparece dominando os elementos hostis da natureza, aqui o mar embravecido. Desde a origem do mundo o poder criador de Deus manifesta-se no seu domínio das águas, e no seu domínio sobre o cosmos e os monstros marinhos, como o mítico Leviatão, que os Salmos e o livro de Job recordam. Desse poder participa Cristo, que hoje se revela como Deus. É o primeiro nível.

E daqui temos de passar à leitura eclesial do episódio. Desde sem­pre a tradição patrística viu uma imagem da Igreja no grupo de dis­cípulos que remam desesperadamente dentro do barco agitado pela tempestade. Se este não naufraga na borrasca é porque Cristo vai na travessia, ainda que às vezes não captemos os sinais da sua presença pelo espírito e julguemos que Deus “dorme a sesta”, deixando-nos sós diante do perigo. Mas não é assim. O passageiro que subiu à nossa nau não a abandonará nunca; vem disposto a correr a nossa sorte até ao fim. É Jesus, o capitão, que toma fortemente nas suas mãos o leme e, apesar de todos os escolhos, levará a bom porto a barca da Igreja.

“Deus morreu, passagem para o super-homem”, gritava Zaratustra no meio da praça e diante da igreja do povo, ao descer do monte com a águia na mão. Vã ilusão de Frederico Nietzsche! O Jesus adorme­cido no meio da tempestade simboliza o Cristo submerso na crise da sua paixão e da sua morte; mas o seu despertar em força e poder sobre o vento e as ondas comprova a glória e o domínio da sua ressurreição. A mudança da tempestade para a bonança é a passagem, a páscoa, da morte para a vida gloriosa, tanto para ele como para o seu povo, a Igreja peregrina no meio dos escolhos da vida. Porquê duvidar, homens e mulheres de pouca fé? “Sabei que estou convosco todos os dias, até ao fim do mundo” (Mt 28,20).

Hoje bendizemos-te, Pai, por Cristo teu Filho, senhor da criação e vencedor do mal e da morte.

Ainda que às vezes nos esqueçamos, ele vem connosco na azarenta travessia do mar da vida.

Porquê duvidar, homens e mulheres de pouca fé?

Jesus acompanha-nos com a presença do seu Espírito e não nos deixa sós diante do perigo. Obrigado, Pai!

Faz que te descubramos, Deus “adormecido e ausente”, no meio dos projectos, aspirações e fracassos, cansaços e esperanças, frustrações e anseios dos nossos irmãos, os homens que sofrem e esperam.

Deonianos