XXII DOMINGO DO TEMPO COMUM Ano A
PRIMEIRA LEITURA JR 20,7 9
A Palavra do Senhor tornou-se para mim ocasião de insultos.
Ler a Palavra
Os capítulos 11-20 do Livro de Jeremias contêm as «cinco confissões» (cf. 11,18 12,6; 15,10,21; 17,14-18; 18,18 23; 20,7-18): precisamente desta última é que foi extraído o texto que a liturgia hoje nos propõe. A narração é a continuação dos acontecimentos da saída do cárcere do profeta, preso devido a um oráculo ende¬reçado contra o reino de Judá (cf. JR 19,14-20,6).
Compreender a Palavra
Oferecer a vida como sacrifício espiritual (cf. segunda leitu¬ra) é o que Deus deseja de cada um de nós. Jeremias está cho¬cado com a experiência da prisão, quereria fugir à missão que Deus lhe confiara, mas não consegue. No texto, aparentemen¬te semelhante a uma oração, sobressai a sequência «sedução- -dominação-violência» (w. 7-8), com a qual Deus atrai a Si o profeta, tornando-o capaz de pregar aquilo que ele não desejaria e suportar o escárnio dos adversários. O Senhor é mais forte do que ele e do que a sua rebelião (cf. JR 20,14-18), por isso Jeremias deverá obedecer-Lhe.
O profeta, provado até ao extremo, mas definitivamente ven¬cido por Deus, é símbolo de todo o cristão chamado a reconhecer em si mesmo o sinal da vocação ao amor e ao testemunho. Quem
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se deixa seduzir pelo Senhor, porque descobre que é objecto do Seu amor, encontra em si mesmo a força e não se furta à ofer¬ta contínua de todas as provas que lhe vêm do seu testemunho. Olhemos para Jeremias, mas sobretudo para Cristo que cumpre a figura d’Ele: Ele é o verdadeiro servo, que sofre e oferece a vida em sacrifício. A Sua obediência nos conforte e coloque entusias¬mo no nosso testemunho.
SALMO RESPONSORIAL SL 62,2-6.8-9
Expressão de um orante ou de uma comunidade, o salmo can¬ta como não devemos desencorajar perante a aridez espiritual se confiarmos no Senhor, implorando-O incessantemente e conce-dendo espaços à oração. Então faremos a experiência do poder divino e vivê-lo-emos como uma «força» que nos «ampara» (v. 9).
SEGUNDA LEITURA RM 12,1-2
Oferecei-vos como vítima viva.
Ler a Palavra
Tendo em vista um verdadeiro «culto espiritual» (v. 1) que se há-de viver como força a opor ao espírito do «mundo», Paulo aconselha uma renovação total do pensamento (cf. RM 12,2-16) e da acção (12,17). O motivo por que exorta os cristãos a um novo modo de relação com o Senhor deve certamente ser visto na von¬tade de ultrapassar práticas religiosas somente exteriores, como as do Judaísmo que se viam no seu tempo.
Compreender a Palavra
O Apóstolo coloca no centro da questão a qualidade de uma relação com Deus que se esforce por «discernir» e cumprir a «Sua vontade» (v. 2), uma atitude de procura que deve permanecer du¬rante toda a vida. Esta é a atitude que ele define por «culto espi¬ritual» (v. 1), ou seja, não ligado a lugares ou a regras, mas sim unicamente preocupado com a autêntica adoração de Deus.
Não é uma novidade admitir que a prática do culto exterior não corresponde sempre à bondade da nossa vida concreta, já que esta é qualitativamente inferior aos recursos que recebe da celebração dos mistérios de Cristo. Com muito maior razão de-vemos sentir como urgente a exortação de Paulo, para que faça¬mos da nossa vida o espelho daquilo que celebramos. Trata-se de viver radicalmente os recursos do Baptismo, da Confirmação e da Eucaristia, empenhando-nos numa caminhada constante de conversão que nos leve a uma conformidade gradual a Cristo.
Entreguemos a nossa vida ao Senhor, para que, iluminada por Ele, saiba crescer e cumprir constantemente a Sua vontade
EVANGELHO MT 16,21-27
Se alguém quiser seguir-Me, renuncie a si mesmo.
Ler a Palavra
É particularmente intensa a afirmação segundo a qual Jesus «tinha» de sofrer a Sua Páscoa (v. 21). A recusa de Pedro exprime bem a dificuldade em admitir a perspectiva salvífica de Cristo, marcada pela Sua morte (w. 22-23). Os versículos 24-27 demons¬tram maior abertura eclesial, porquanto mediante a imagem «to¬mar a sua cruz e seguir» Jesus, o destino dos discípulos fica estrei¬tamente ligado ao do seu Senhor.
Compreender a Palavra
A confissão de Pedro (cf. Mt 16,16, Evangelho do domingo passado) confere uma tonalidade nova ao ministério de Jesus: a partir daquele momento torna-se evidente a decisão de che¬gar a Jerusalém e o ensinamento explícito acerca da necessidade da Cruz, que jamais deixará de escandalizar e ser declarada ex¬pressão de loucura, desafia os discípulos de todos os tempos a amadurecerem uma fé profunda e vital no Senhor morto e ressuscitado. Quem não a acolhe torna-se para Jesus um «obstá-culo» – scandalum, na língua grega, isto é, «pedra de escândalo» (v. 23) – impedindo-O de continuar a Sua caminhada, que tem como objectivo conseguir a salvação para toda a Humanidade.
Somos mais uma vez apanhados de surpresa por Jesus nesta perturbadora página evangélica. Não se trata de rejeitar Cristo por causa do sofrimento e da prova; trata-se antes de levar ambos aos pés do crucifixo, para que eles nos restituam mais vigorosa¬mente a Cristo. Tentar escapar a esta perspectiva significa perder as feições originais da nossa identidade cristã.
DA PALAVRA PARA A VIDA-
Como nos sentimos mal quando sofremosl Não conhecemos os porquês, faltam-nos as forças, a própria fé vacila. Onde podemos ir buscar a razão de tudo isto? De que modo pode¬mos agir para que a Palavra de Deus actue em nós, a qual nos diz que não há sequela autêntica se não houver aceitação da Cruz? (MT 16,24)
Segundo afirma o testemunho de Jeremias (primeira leitura), parece que um dos motivos devemos procurá-lo numa cons¬ciência não muito convicta de sermos amados por Deus: «Tu me seduziste, Senhor, e eu deixei-me seduzir.» (Jr 20,7) Seduz somente quem ama, e somente o amado se deixa seduzir. De igual modo é apenas na experiência vital do amor de Deus que amadurece a coragem de poder partilhar perspectivas tão duras, como as da livre aceitação da prova ou de suportar com fé o sofrimento e a dor. Isto significa estarmos apaixonados por Cristo, no verdadeiro sentido da palavra: isto é, no signi¬ficado etimológico de poder «sofrer», de poder passar através do Gólgota, oferecendo a nossa vida ao Pai, juntamente com Cristo e na forma de oração mais verdadeira que se possa pensar.
Que devemos fazer então para crescermos na consciência de que somos amados? Certamente olhando para Cristo, o qual não sem sofrimento, acolhe a vontade do Pai e Se dei¬xa imolar por cada um de nós: juntamente com Jesus temos de encontrar forças para vivermos frutuosamente a vontade do Pai, vontade que por vezes nos alquebra, chamando-nos
à conversão. Não se trata então de fugir do sofrimento, tan to mais que antes ou depois ele nos atinge; não se trata de o viver como um obstáculo no caminho para a felicidade que desejamos. Pelo contrário, deveremos começar a considerar o sofrimento como um meio através do qual chegaremos à alegria, a alegria que não passa. Toda a nossa vida, em todas as suas manifestações, inclusive a amargura e a tristeza, está orientada para Cristo e deve ser envolvida na caminhada em direcção ao grande dia do Senhor que esperamos. Seria um grande problema se acreditássemos eliminar alguma coisa da nossa vida, julgando-a pouco significativa para Deus: com maior razào ainda, se excluíssemos a Cruz e tudo o que ela comporta.
Oração
Espírito Santo, iluminai o nosso coração
para que possamos colocar todos os sofrimentos,
nossos e alheios, à luz esplêndida da Cruz do Senhor Jesus.
Fazei que não desprezemos as cruzes da vida, tornando-nos nós próprios “obstáculo” para a propagação do Reino de Deus e “escândalo” para os nossos irmãos.
Reavivai em nós a consciência de sermos filhos, filhos amados e socorridos sempre pela ternura e pelo amor do Pai.
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