A folhinha
É outono. E à semelhança de todos os outonos, as folhas despedem-se em espirito de agradecimento da estrutura que lhes permitiu ser.
Numa queda singular, uma folhinha despega-se em simbiose a outros elementos.
Olha para o vento de outra forma, para o tronco com nostalgia, para a tempestade com medo e para a gravidade com apreensão. Sob apenas um Olhar, a folhinha vê-se no chão.
Com o coração despedaçado, a sua fragilidade fica a nu e toda a sua estrutura seca.
O verde esperança não é mais senão uma memória que procura, em que era parte integrante das melodias da natureza. Unidade da copa que proporcionava frescas sombras. Recolhimento de inúmeras gotas de orvalho que nela se deleitavam, sendo portanto ponte no caminho destas para o seu destino. Não por relevância ou merecimento, mas por graça. Tudo é graça.
Agora amarelada, ressequida e enrolada sobre si mesma, esquece-se do Olhar que sempre procurou e chora a deformação, os danos, o stresse ambiental que a impede de voltar a ser pouso de um rouxinol e parte integrante de um ramo. Dói.
Olha para o lado, e vê que, com ela, outras folhinhas caíram, assim como ramitos que o vento esgalhou. Esquecida, chora a dor, porque a desfolhagem dói e é certo que tem de morrer para renascer. Há sempre uma batalha para cada alma e tendemos a agir como se fossemos unidades autónomas no controle das nossas vidas.
Vêm ao seu encontro passaritos que se apresentam com um canto desconhecido. Fechada em si mesma, procura o conhecido e tenta negar a beleza, a fonte e o Olhar. Outros amiguitos a cercam. Aranhitos, formiguitas, flores secas que a convidam a sair da perspetiva horizontal e docilmente a encaminham a uma posição vertical que lhe oferece uma perspetiva mais ampla e elevada. Da fonte. Do Olhar. Sob esta misteriosa Visão, começa a renascer da imersão e, no pano de fundo, vislumbra a confiança na Luz e a dizer fiat a este pão.
Thalita
Por mais que silenciemos as nossas dores, há sempre um Olhar que nos conduz á eternidade.
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Este texto, A folhinha, é uma bela metáfora sobre a fragilidade humana, as transformações inevitáveis da vida e a força que vem da graça divina. A autora, Thalita, constrói uma narrativa poética que transborda delicadeza e espiritualidade, convidando o leitor a refletir sobre a condição da existência, a dor da mudança e a esperança do renascimento.
Pontos Fortes:
- Uso da Metáfora da Natureza: A folha em sua jornada de queda e renascimento é uma representação rica da experiência humana. A conexão com o ciclo natural do outono reflete a transitoriedade da vida e a inevitabilidade de enfrentar perdas e transformações.
- Tonalidade Poética e Espiritual: O texto é impregnado de um lirismo que envolve o leitor em imagens suaves e significativas. A ideia de que “Tudo é graça” é uma lembrança espiritual poderosa, que ecoa a teologia da gratuidade do amor divino.
- Desenvolvimento Narrativo: O contraste entre a queda da folha e o reencontro com uma nova perspectiva simboliza a redenção. A transformação de um estado de dor e isolamento para uma abertura à luz e ao “Olhar” é uma narrativa universal e cativante.
- Simbologia Profunda: Elementos como os passarinhos, os insetos e o “fiat” final tecem uma história de esperança e confiança na Providência, levando o leitor a identificar-se com a trajetória espiritual da folhinha.
Reflexão Final:
A folhinha é uma obra tocante que convida à contemplação. Ela comunica que, mesmo nas dores mais profundas, há um convite ao renascimento, à entrega e à confiança na Luz divina. A frase final, “Por mais que silenciemos as nossas dores, há sempre um Olhar que nos conduz à eternidade”, é um fecho perfeito que ecoa a esperança cristã e deixa o leitor inspirado.