Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
Um dia, Jesus orava sozinho, estando com Ele apenas os discípulos. Então perguntou-lhes: «Quem dizem as multidões que Eu sou?». Eles responderam: «Uns, João Batista; outros, que és Elias; e outros, que és um dos antigos profetas que ressuscitou». Disse-lhes Jesus: «E vós, quem dizeis que Eu sou?». Pedro tomou a palavra e respondeu: «És o Messias de Deus». Ele, porém, proibiu-lhes severamente de o dizerem fosse a quem fosse e acrescentou: «O Filho do homem tem de sofrer muito, ser rejeitado pelos anciãos, pelos príncipes dos sacerdotes e pelos escribas; tem de ser morto e ressuscitar ao terceiro dia».
Palavra da salvação.
REFLEXÃO
O Evangelho de Lucas apresenta-nos um momento de profunda intimidade e revelação. Jesus retira-se para orar, acompanhado apenas pelos seus discípulos. Este cenário de solitude e oração é o pano de fundo para uma pergunta crucial que ressoa através dos tempos: “Quem dizem as multidões que Eu sou?”. Os discípulos relatam as perceções populares: Jesus é visto como João Batista, Elias ou um dos antigos profetas ressuscitado. São figuras grandiosas, mas do passado. Jesus, então, dirige a pergunta ao coração daqueles que O seguem mais de perto: “E vós, quem dizeis que Eu sou?”. Pedro, como porta-voz do grupo, profere uma confissão de fé revolucionária: “És o Messias de Deus”. Esta verdade, porém, é imediatamente seguida por um anúncio solene e perturbador: o Messias não será um libertador político triunfante, mas “o Filho do homem tem de sofrer muito, ser rejeitado… tem de ser morto e ressuscitar ao terceiro dia”.
#### **2. Meditatio (Meditação)**
Este texto convida-nos a meditar sobre duas realidades profundas: a identidade de Jesus e o significado do seu messianismo.
**A Pergunta que Ressoa no Silêncio:** A cena inicia-se com Jesus em oração. Toda a revelação profunda brota do silêncio e da comunhão com o Pai. A pergunta de Jesus não é feita para obter informação, mas para provocar um encontro pessoal. As respostas das “multidões” refletem uma visão limitada, que O coloca numa linhagem venerável, mas O confina ao passado. Quantas vezes nós também temos uma imagem de Jesus confortável, domesticada, moldada pelas opiniões correntes, mas distante da sua verdadeira identidade?
**A Confissão no Coração da Fé:** A pergunta decisiva é “E vós?”. É a pergunta dirigida a cada discípulo, a cada um de nós. Pedro responde com uma inspiração que vem do Alto: “És o Messias de Deus”. É o momento do reconhecimento, o clímax da fé. No entanto, a compreensão de Pedro sobre o que significa “Messias” ainda está incompleta. Ele, como qualquer judeu da época, esperava um rei glorioso.
**O Escândalo da Cruz:** Imediatamente, Jesus redefine radicalmente o conceito de messianismo. A glória do Messias passa pela humilhação da Cruz. Os verbos são fortes e inevitáveis: “tem de sofrer”, “ser rejeitado”, “ser morto”. Este “tem de” (em grego, *dei*) indica uma necessidade divina, um plano de salvação que passa pelo caminho do sofrimento e do amor até ao extremo. A ressurreição é a promessa, mas o caminho para a glória é a paixão. Jesus não veio para eliminar o sofrimento do mundo, mas para o redimir, entrando nele plenamente. Esta é a pedra de tropeço, o escândalo que ainda hoje desafia a nossa fé. Acreditamos num Deus que salva através da fraqueza, do serviço e do dom da vida.
Meditemos: Quem é Jesus para mim? Uma figura distante e imponente, ou o Messias sofredor que me convida a segui-Lo no caminho da entrega? Estou disposto a aceitar que o caminho para a vida plena passa, de alguma forma, pela minha própria “pequena cruz”, pela rejeição do egoísmo e pelo serviço humilde?
#### **3. Oratio (Oração)**
Senhor Jesus,
Tu que te retiraste para orar em solidão
ensina-nos a encontrar no silêncio
a verdade sobre quem Tu és.
Ajuda-nos a escutar a Tua pergunta
que ecoa no mais profundo do nosso ser:
“E tu, quem dizes que Eu sou?”
Dá-nos a coragem de Pedro
para proclamar com a nossa vida:
“És o Messias, o Filho de Deus vivo”.
Mas não nos deixes ficar por uma fé de glória fácil.
Abre o nosso coração ao mistério da Tua Cruz.
Ajuda-nos a compreender que o amor
é sempre um dom de si mesmo,
e que a verdadeira vida se alcança
quando a perdemos por Ti.
Que a Tua paixão nos dê força
para abraçar as nossas pequenas cruzes diárias,
e a Tua ressurreição nos encha de esperança invencível.
Ámen.
#### **4. Contemplatio (Contemplação)**
Contemplamos o rosto de Jesus. Não o rosto de um rei poderoso num trono, mas o rosto do Servo sofredor, sereno na sua decisão de amar até ao fim. Contemplamos o seu olhar, que se dirige a Pedro e a cada um de nós, cheio de verdade e compaixão, perguntando-nos sobre a nossa fé. Deixemos que este mistério de um Deus que sofre por amor habite em nós em silêncio. É um mistério que não se explica, mas se acolhe. Contemplemos a união indissociável entre a Cruz e a Ressurreição, como duas faces da mesma moeda do amor divino.
#### **5. Actio (Ação)**
Esta Palavra impele-nos a duas ações concretas:
1. **Fazer a nós mesmos a pergunta decisiva:** Reservar um momento de silêncio hoje para responder, com sinceridade, a Jesus: “Para mim, quem és Tu?”. A resposta não será apenas com palavras, mas com a orientação da nossa vida.
2. **Aceitar o mistério da Cruz no quotidiano:** Identificar uma situação de dificuldade, cansaço ou renúncia que hoje se apresente. Em vez de a rejeitar com amargura, tentar vivê-la com um sentido novo, unindo-a ao sofrimento redentor de Cristo, como um pequeno modo de participar no seu amor salvífico.
### **Mensagem**
A verdadeira identidade de Cristo só se revela plenamente no mistério da Cruz. Acreditar n’Ele não é esperar um caminho isento de sofrimento, mas confiar que mesmo na dor e na aparente derrota, o amor de Deus está a operar a nossa salvação. A glória está do outro lado da entrega.