1128 1205 Apontamentos da Palavra comentada


48 I LECCIONÁRIO COMENTADO

I DOMINGO – ANO C
PRIMEIRA LEITURA JR 33,14-16

Farei germinar de David um rebento de justiça.
Ler a Palavra
Os versículos da leitura pertencem a um grupo de oráculos messiânicos típicos da tradição hebraica, transcritos no livro de Jeremias (JR 33,14-26). São geralmente considerados pelos autores como um acrescento posterior ao texto original, com a finalidade de transmitir confiança aos hebreus – já no exílio – a respeito da restauração da nação de Israel, o que acontecerá por meio da dinastia davídica e em virtude da fidelidade do Senhor às suas antigas promessas.
Compreender a Palavra
Os três versículos formam o primeiro trecho com que co¬meça a pequena colecção de oráculos messiânicos. O redactor retoma uma profecia já presente em Jeremias, no capítulo 23, onde é perspectivada, igualmente, a chegada de um reino da- vídico. Ali, o anúncio do aparecimento de um rei, «que reinará como verdadeiro rei e será sábio» (JR 23,5), está no início de um discurso fortemente crítico acerca dos «pastores» de Is¬rael que dispersaram as ovelhas do Senhor, depois de expulsas, não se preocuparam com elas (JR 23,2).
Do mesmo modo também neste texto a restauração de um reino davídico apresenta-se como uma intervenção directa de
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Deus que, após ter reunido o povo disperso, reintroduzirá em Jerusalém um governo messiânico baseado na sabedoria e na justiça.
SALMO RESPONSORIAL SL 24,4-5.8-10.14
O salmo contém uma lamentação individual em forma de acróstico. O tema principal é «o caminho do Senhor» que o orante pede para poder conhecer, enquanto confessa com fé a bondade e a rectidão d’Ele. D’Ele, de facto, os pobres podem obter a justiça e a salvação.
SEGUNDA LEITURA lTs 3,12.13-4,2
O Senhor confirme os vossos corações no dia de Cristo.
Ler a Palavra
O versículo 13 conclui a grande secção da acção de gra¬ças (lTs 1,2-3-3,13) que, na Carta, Paulo dedica aos amados cristãos de Tessalónica. Timóteo, tendo regressado da cidade, trouxe óptimas notícias sobre a fé dos baptizados, o que enche o Apóstolo de alegria e inclusive o faz «viver» (lTs 3,8), já que ele se encontra impossibilitado de visitar pessoalmente essa comunidade a que está profundamente ligado.
Compreender a Palavra
Na minúscula secção literária escolhida pela liturgia en¬contramos, em primeiro lugar, o versículo de síntese do longo discurso de acção de graças de Paulo (lTs 3,13), e depois os dois versículos que abrem o discurso parenético sucessivo da Primeira Carta aos Tessalonicenses (lTs 4,1-2). São aspectos que fazem desta leitura um concentrado da catequese e da teo-logia de Paulo, dado que a Carta é considerada precisamente o seu primeiro escrito, para além de ser o primeiro escrito do Novo Testamento.
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Antes de mais, respira-se um clima de expectativa do re¬gresso do Senhor, que o Apóstolo convida a viver numa ade¬são de amor profundo e concreto, a que chama «santidade» (lTs 3,13). Os tessalonicenses são convidados a progredir na santidade, sem nunca acreditarem que já atingiram a perfei¬ção. Para esse fim receberam eles a instrução de Paulo e dos seus colaboradores, os quais lhes transmitiram o ensinamento deixado pelo próprio Jesus.
ACLAMAÇÃO ANTES DO EVANGELHO SL 84,8
Aleluia, aleluia.
Mostrai-nos, Senhor, a vossa misericórdia e dai-nos a vossa salvação.
Aleluia, aleluia.
EVANGELHO Lc 21,25-28.34-36
A vossa libertação está próxima.
Ler a Palavra
O Evangelho propõe duas secções finais de um longo dis¬curso que Jesus fez em Jerusalém nos últimos dias do seu mi¬nistério, imediatamente antes da sua Paixão (Lc 19,28-21,38). A grande compaixão que O liga à Cidade Santa (recorde-se que chorou sobre Jerusalém, em Lc 19,41-44) não O impe-diu de profetizar, a respeito dela, a sua desventura e a sua des¬truição. Jesus visualiza a imagem de um acontecimento imi¬nente: Jerusalém será cercada por exércitos que a devastarão (Lc 21,20-24) e todo o universo será envolvido no acto do juí¬zo de Deus sobre a sua cidade, culpada de não ter escutado o Profeta do Senhor (Lc 21,25-28).
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Compreender a Palavra
As duas partes que compõem o texto litúrgico estão dispos¬tas num duplo plano temporal.
A primeira (w. 25-28) perspectiva uma visão do futuro, quando os diversos sinais se verificarem no céu e na terra. In¬clusive os poderes do céu serão abalados e os astros alterarão os seus ritmos, e na terra não faltarão também os sinais da sua perturbação. A tudo isso, quase prodigiosamente, para todos os que seguiram e acreditaram em Jesus, não se seguirá a con¬denação e a morte, mas a libertação. A destruição do Templo de Jerusalém não será causada, porém, somente pela acção dos romanos, mas pela vontade do Pai que revelará, mediante este terrível acontecimento, a vida do «Filho do homem» (v. 27). É o que já antecipava, na sua profecia, Jeremias na primeira lei¬tura, onde uma intervenção futura de Deus será realizada, não para destruir Jerusalém, mas para salvá-la, mediante a chegada de um «rebento de justiça» (JR 33,15).
A segunda parte do Evangelho (w. 31-36) é colocada, ao invés, no plano do presente e convida os cristãos a um com¬promisso moral no dia de hoje, exortação que pode surpreen¬der, depois da perspectiva de morte acabada de apresentar. Os discípulos de Jesus são convidados a não se tornarem pesa¬dos com as coisas ordinárias da vida que poderiam esconder, disfarçar ou inclusive considerar incríveis o que, no entanto, está para acontecer.
Por outras palavras, é necessário que os cristãos estejam vi¬gilantes, isto é, saibam entender os «sinais dos tempos», a men¬sagem que Deus envia aos homens mediante os acontecimentos terrenos. Daqui o convite final à oração (v. 36): a oração será o único instrumento através do qual os crentes poderão perma¬necer numa união de verdade e de misericórdia com esse «Filho do homem» diante do qual, nesse dia, deverão comparecer.
O centro da perícope é precisamente a figura do «Filho do homem», que tem a sua origem num texto profético-
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-apocalíptico do profeta Daniel (DN 7,13 ss.), e do qual Lu¬cas fala também (Lc 9,26; 12,9; ACT 7,56). O Filho do homem aparece vencedor sobre os poderes cósmicos; Ele será um juiz justo e um salvador para todos aqueles que se colocarem em sintonia com a Sua pessoa.
DA PALAVRA PARA A VIDA
A segunda leitura oferece uma aplicação de tudo o que foi anunciado no Evangelho. A comunidade de Tessalónica é convidada por Paulo a comportar-se «como devem proceder para agradar a Deus» (lTs 4,1), ou seja, «a crescer e abundar no amor mútuo para com todos» (lTs 3,12). A perspectiva de uma «vinda» do Senhor para julgar a terra não deve ser, para o cristão, fonte de medo ou de sujeição cega, pelo contrário deve ser motivo de uma relação mais forte com o Senhor. Ele não virá destruir, mas salvar o mundo, como também o pro¬feta Jeremias anunciou (primeira leitura).
O elemento do juízo final cria um conceito da História se¬gundo a qual ela não é infinita nem insensata. O tempo e o espaço terão no final uma libertação e um repouso; quando o homem actua no tempo não cairá no esquecimento, mas será sujeito a um juízo, e tudo quanto fez de bom não se perderá.
O tempo que é colocado à nossa disposição, com todas as suas provações, tem um único fim: «Fazer crescer e abundar na caridade uns para com os outros» (lTs 3,12), isto é, tornar os nossos corações consagrados ao Amor.
Oração
Ó Deus, fazei que reconheçamos
na evolução dos acontecimentos terrenos
a Vossa presença de Pai,
que vela sobre a vida de todos os Vossos filhos;
ó Espírito Santo, sede para nós o Mestre
que nos guia no caminho;
ó Senhor Jesus, conduzi os nossos corações
no caminho da esperança
na experiência do Vosso amor que salva.
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I SEMANA DO ADVENTO
SEGUNDA-FEIRA
Se a leitura que se segue já foi proclamada no primeiro domingo do Advento (ano A), pode ser substituída pela que vem nas páginas seguintes.
PRIMEIRA LEITURA Is 2,1-5
O Senhor chama todos os povos à paz eterna do reino de Deus.
Ler a Palavra
Sobre o monte santo, Sião, Israel tinha construído um tem¬plo dedicado ao Senhor, e para lá subiam os peregrinos «entre cânticos de alegria de uma multidão em festa» (SL 42,5) para se encontrarem com o Senhor.
Contemplando este espectáculo comovedor, Isaías, um dia, como que arrebatado em êxtase, viu a peregrinação que tinha sob os seus olhos transformar-se numa visão nova, grandio¬sa: uma multidão imensa, gente de todos os povos e nações aproximava-se do santuário. Que é que o Senhor lhe estava revelando?
Compreender a Palavra
Neste poema, o profeta apresenta-nos o sonho de Deus em relação ao mundo: a paz, o shalom que, para os hebreus, não se
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reduz à ausência de guerras e conflitos, mas indica a plenitude de todos os bens.
Haverá alguma vez na terra um tempo no qual, para todos, reinará o shalom? E se é possível construir esta condição nova, quem e como se realizará?
Isaías responde a estas interrogações. Um dia – assegura ele – o monte do Templo do Senhor erguer-se-á no alto das montanhas e ficará acima das colinas, ultrapassará todos os lugares elevados, dominará do alto todas as torres de Babel que os homens tinham construído; tornar-se-á o ponto mais alto da terra e será pólo de atracção para todos os povos.
Uma multidão imensa de peregrinos de todas as raças, lín¬guas e nações acorrerão ao Templo santo de Jerusalém, não para oferecer sacrifícios, holocaustos e incensos, como os israelitas costumavam fazer para obterem os favores de Deus, mas para escutarem a Palavra de Deus e aprender «os seus caminhos». Não será através das astúcias humanas, mas pela aproximação ao Senhor e pela interiorização da sua Palavra é que despontará um mundo de paz.
As imagens utilizadas pelo profeta para descrever esta rea¬lidade nova são sugestivas: desaparecerão os instrumentos de morte, as espadas serão transformadas em relhas de arado e as lanças em foices, os povos destruirão as armas e repudiarão as guerras. É o auspício do desarmamento universal, é o Reino da justiça, das bênçãos de Deus. Os cristãos viram realizar-se esta profecia quando, em Jesus, apareceu no mundo «a Pala¬vra» de paz.
Ou
PRIMEIRA LEITURA Is 4,2-6
Será a alegria dos sobreviventes.
(de preferência no ano A)
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Ler a Palavra
Um domínio pesado estrangeiro (provavelmente dos Assí¬rios) faz-se sentir sobre Jerusalém e sobre Judá no início do reinado de Acaz. Esta situação provoca desintegração política e religiosa e favorece também a desagregação moral. Cresce a opressão sobre os pobres e os humildes. Por isso, a presen¬ça do «germe» de JHWH como «honra, glória, magnificência e ornamento» é condicionada pela purificação dos pecados de Jerusalém.
Compreender a Palavra
É difícil resistir às seduções dos modelos de vida propostos e encarnados pelos vencedores. No tempo de Isaías, os triun¬fadores eram os assírios, hoje podem ser os ídolos do desporto, do espectáculo, da moda, da política, da técnica. Quem orienta a sua vida segundo a sabedoria que não é deste mundo, mas que vem de Deus, tem a nítida sensação de constituir uma re¬duzida minoria, de ser um pequeno resto que rema contra a corrente, que guia em contramão, e, fixando os olhos em quem pensa como ele, se lamenta: «ficámos muito poucos.»
Na leitura de hoje, Isaías anuncia o esplendor do pequeno resto que se manteve fiel num ambiente de corrupção generali¬zada: trata-se dos sobreviventes de Israel, pessoas piedosas que escaparam à catástrofe religiosa e moral, sobreviventes santos que permaneceram em Jerusalém. Do meio deles – assegura o profeta – despontará o germe do Senhor, o qual será o adorno e a glória deles, e será o fruto de Israel. A mensagem do profeta é por isso dirigida a quem quer que esteja desencorajado e, consciente de que pertence a um pequeno resto, quereria re¬nunciar a colaborar no desenvolvimento do germe santo.
Os que, pelo contrário, traíram a aliança com o Senhor, não terão descendência e ficarão à margem da história da salvação que continuará mesmo sem eles.
56 I LECCIONÁRIO COMENTADO

SALMO RESPONSORIAL SL 121,1-2.4.6-9
Convocados para Jerusalém – a «cidade da paz» – para es¬cutarem a voz do Senhor, os povos subirão jubilosos ao mon¬te Sião. Dos seus corações repletos de alegria erguer-se-á um hino a Deus e invocarão: «Pedi a paz para Jerusalém, vivam seguros os que a amam, reine a paz nos seus muros.»
Na boca do cristão, este salmo torna-se invocação pela paz no mundo inteiro.
ACLAMAÇÃO ANTES DO EVANGELHO SL 79,4
Aleluia, aleluia.
Vinde libertar-nos, Senhor nosso Deus, mostrai-nos o vosso rosto e seremos salvos.
Aleluia.
EVANGELHO MT 8,5-11
Do Oriente e do Ocidente virão muitos para o reino dos Céus.
Ler a Palavra
Entre os judeus reinava a convicção de que Deus queria o seu Povo separado dos povos estrangeiros, julgados impuros e indignos de receber as bênçãos do Senhor.
São Mateus escreve o seu Evangelho em Antioquia da Sí¬ria, numa comunidade cristã composta por judeus embebidos desta mentalidade separatista e por pagãos convertidos. Como ajudar a conviver em paz os dois grupos divididos por ódios e preconceitos atávicos?
Compreender a Palavra
O texto coloca em cena um centurião, o qual, embora não pertencendo ao povo de Israel, demonstra ser extraordina¬riamente bom. É um homem habituado a manejar as armas
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e no entanto demonstra uma sensibilidade fora do comum: preocupa-se com um escravo seu.
Este pagão não tem somente um grande coração, mas é também humilde e respeitoso dos costumes dos israelitas. Sa¬bendo que os hebreus não podiam contactar com os pagãos, evita que Jesus se contamine entrando em sua casa. Basta uma ordem Sua para vencer a doença que aflige o seu criado.
Como não ficarmos surpreendidos perante a sensibilidade humana e a fé do centurião? Até Jesus se mostra admirado!
O evangelista quer que os cristãos aprendam a olhar com olhos novos – com os olhos do Mestre – quantos não perten¬cem à sua comunidade ou não partilham as suas convicções religiosas; quer condenar os separatismos, os pensamentos rancorosos, as ideias preconceituosas de quem parte do pres-suposto segundo o qual quem provém de uma cultura diversa e pratica outra religião é um inimigo do qual é preciso manter- -se afastado. Também quem vive à margem da prática religiosa pode, ao invés, mostrar bons sentimentos e cumprir as obras de Deus.
DA PALAVRA PARA A VIDA
Perante tudo o que acontece no mundo é difícil, mesmo para o cristão mais convicto, continuar a crer e a esperar a vinda de um dia em que «o lobo será hóspede do cordeiro» (Is 11,6). Ansiedade e medo, horror e preocupação são os sentimentos mais espalhados.
Neste momento histórico os discípulos de Cristo são chama¬dos a tornar-se promotores de justiça, não com os meios su¬geridos pelos poderosos do mundo, que confiam às armas o projecto de coabitação pacífica entre os povos, mas cultivan¬do – como recomenda São Paulo – «os mesmos sentimentos que havia em Jesus Cristo» (FL 2,5): a mansidão, a bondade, oferecer a outra face e a disponibilidade até ao dom total de si mesmo.
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Este nosso tempo é também o do encontro entre povos, cul¬turas e religiões. É uma oportunidade histórica de enriqueci¬mento recíproco, na condição de que sejam ultrapassadas as desconfianças mútuas e não se considerem os outros como um perigo, mas se vejam com os olhos de Deus e se veja neles irmãos que se devem compreender e amar.
Os fanatismos, os fundamentalismos, as manifestações, mes¬mo violentas, de intolerância colocam hoje os cristãos pe¬rante um desafio radical: manterem-se fiéis na recusa da vio¬lência, ensinada por Jesus. Se respondermos – como infeliz¬mente aconteceu no passado – adequando-nos aos princípios deste mundo, faltaremos à nossa vocação de construtores de paz. Mas se ao mal respondermos com o bem, ao ódio com o amor, ao fanatismo com a confrontação leal, o diálogo, o aco¬lhimento, seremos no mundo sinal d’Aquele que «é a nossa paz, que veio anunciar a paz, paz para aqueles que estavam longe e paz para aqueles que estavam perto» (EF 2,14.17).
A paz de Jesus não é a do mundo. Não é edificada a partir das intimidações, do terror das armas, das represálias: parte dos corações dos discípulos, tornados mansos a exemplo do Mestre, prontos a renunciar a todos os egoísmos, individuais e aos mais enganadores, raciais, corporativos e até religiosos.
O cristão é construtor de paz enquanto procura sempre a reconciliação, compreende as necessidades e os sofrimentos dos irmãos e está disposto a sacrificar a sua vida por eles.
Oração
(Colecta, 1.° domingo do Advento)
Despertai, Senhor, nos Vossos fiéis,
a vontade firme de se prepararem,
pela prática das boas obras,
para irem ao encontro de Cristo,
de modo que, chamados um dia à Sua direita,
mereçam alcançar o Reino dos Céus.
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TERÇA-FEIRA
PRIMEIRA LEITURA Is 11,1 10
Sobre ele repousará o Espírito do Senhor.
Ler a Palavra
Este oráculo foi pronunciado pelo profeta num momento dramático da história de Israel, quando a dinastia, na qual ti¬nham sido colocadas tantas esperanças, não aparecia forte e viçosa como um cedro do Líbano, antes estava reduzida a um tronco cortado e sem vida. O profeta quer despertar no seu povo a confiança e a esperança. Fiel às suas promessas, Deus dará início a uma era de paz semelhante à que existia no paraí¬so terrestre antes do pecado.
Compreender a Palavra
Servindo-se de uma imagem tirada do reino vegetal, o pro¬feta narra a história da dinastia de David. Tinha surgido de uma raiz insignificante, de Jessé, um humilde pastor de Be¬lém. Abençoada por Deus, essa árvore tinha ganho força e desenvolvera-se, «a sua sombra cobria as montanhas e os seus ramos os mais altos cedros» (SL 80,11). Depois sobreviera a ruína, o tronco tinha sido queimado, reduzido a um tição fu- megante. Era o fim de tudo?
O profeta responde: Não! Do tronco da família de Jessé – assegura ele – brotará prodigiosamente um novo rebento por meio do qual se cumprirão todas as promessas de Deus.
Os dotes deste rebento serão extraordinários, será repleto do espírito do Senhor, possuirá o espírito de sabedoria que o habilitará a governar segundo os desígnios de Deus, o espírito de inteligência que lhe permitirá distinguir nitidamente entre o que é bem e o que é mal, o espírito de conselho e de fortaleza
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que lhe fará compreender os planos do Senhor e lhe comu¬nicará a força para os cumprir, o espírito de conhecimento e áe temor de Deus que o tornará dócil, em todo o momento, à vontade de Deus.
De quem falava o profeta? Nenhum descendente de Jessé possuiu todas essas qualidades nem realizou estes desígnios divinos. A promessa cumpriu-se em Jesus, brotado como um rebento da família de David.
SALMO RESPONSORLAL SL 71,2.7-8.12-13.17
O salmo é a alegre resposta ao anúncio feito pelo profeta. O israelita piedoso que o compôs exprime a sua alegria porque está certo de que o Senhor realizará as promessas de bem que fizera, não porque o povo de Israel o mereça, mas porque Ele é fiel. Como pode deixar de cantar quem acredita nas promessas do Senhor?
ACLAMAÇÃO ANTES DO EVANGELHO Aleluia, aleluia.
O Senhor virá com poder e majestade e iluminará os olhos dos seus fiéis.
Aleluia.
EVANGELHO Lc 10,21-24
Jesus exulta de alegria pela acção do Espírito Santo.
Ler a Palavra
Jesus exulta no Espírito Santo, isto é, experimenta uma ale¬gria interior tão intensa que não a pode conter e exprime-a exteriormente com o canto e a dança. É a única vez em que nos evangelhos Jesus é apresentado nesta atitude radiante e quase eufórica. Qual a razão disso? Esclarece-o o próprio Jesus na mais longa das quatro orações que, no Evangelho de São Lu¬cas, dirige ao Pai.
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Compreender a Palavra
Jesus no Evangelho de hoje lança por terra os critérios com que os homens costumam imaginar a Deus. Exulta e louva o Pai que não se alia aos grandes, mas escolhe os pequenos, pre¬fere os que não têm nada para Lhe oferecer e mostra assim que a sua benevolência é gratuita e incondicional.
Os fariseus pensavam que a gente simples do povo, não ten¬do a possibilidade de estudar e por conseguinte de praticar a Lei, era amaldiçoada por Deus (Jo 7,49) e ensinavam: «Essepovinho que não conhece a Lei é maldito.» Jesus revela um Deus que é grande porque se abaixa, que é rico porque se torna pobre, que é poderoso porque se entrega indefeso nas mãos do homem.
Nem todos estão em condições de perceber esta revelação: não os sábios que representam o ideal da piedade judaica, não os doutores da lei que pregavam a religião dos méritos, mas os simples, aqueles que, conscientes da sua pequenez, se torna¬ram discípulos d’Aquele que mostrou a sua grandeza ao fazer- -Se pequeno.
DA PALAVRA PARA A VIDA
Uma das objecções dirigidas com insistência aos cristãos diz respeito ao crescimento lento do Reino de Deus no mundo. Como se explica que, depois de dois mil anos, haja ainda na terra tanto mal, tanta degradação moral e civil? Porque é que a Palavra e a obra de Jesus não têm o sucesso que muitos de¬sejam? Chega-se a pensar que não sejam válidas, não sejam eficazes, não sirvam.
A Palavra de Deus que hoje a liturgia nos propõe responde a esta interrogação com uma imagem do reino vegetal: também a árvore mais majestosa era, ao princípio, uma pequena se¬mente. O rebento que surge da terra germina e desenvolve-se lentamente, num modo imperceptível, mas constante.
Jesus retoma amiúde nas Suas parábolas esta imagem.
O Reino de Deus – diz Ele – «é como uma semente de mos-
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tarda que é a menor de todas as sementes da terra [… ] mas dá ramos grandes, de modo que os pássaros do céu podem fazer ninhos na sua sombra» (Mc 4,31-32); «é como um homem que lançou a semente à terra. Depois dorme e acorda, noite e dia, e a semente vai brotando e crescendo, mas o homem não sabe como isso acontece. A terra produz fruto por si mesma: primeiro aparecem as folhas, depois a espiga e, por fim, os grãos enchem a espiga» (Mc 4,26-29).
O começo do Reino de Deus é sempre imperceptível, quer na sociedade quer no coração de cada homem, é como uma se¬mente que não chama a atenção, não faz barulho, mas mostra toda a sua irresistível vitalidade quando se torna uma árvore que produz frutos de que todos podem usufruir.
O cristão é, no mundo, o sinal da presença da semente trazida por Cristo: produzirá frutos abundantes se renunciar à pró¬pria sabedoria e se tornar pequeno. O germe da vida divina depositado nele no Baptismo desenvolver-se-á e dará fruto se aprender a avaliar o sucesso de uma vida, não com base nas grandezas deste mundo, mas em termos de amor, de doação, de serviço.
Oração
(Colecta, Missa do dia)
Ouvi, Senhor, benignamente as nossas súplicas e vinde em nosso auxílio ■ nas lutas e dificuldades da vida, para que, reconfortados pela presença de vosso Filho, sejamos livres da antiga escravidão do pecado.
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QUARTA-FEIRA
PRIMEIRA LEITURA Is 25,6-10a
O Senhor convida para o seu banquete e enxuga as lágrimas de todas as faces.
Ler a Palavra
No Médio Oriente antigo, narrava-se o mito do desafio ter¬rível entre o deus Baal e Mot, a morte, na procura obsessiva de novas vítimas. Nesse mito, o combate terminava sem vence¬dor nem vencido. O profeta Isaías anuncia, pelo contrário, um banquete festivo com o qual se celebrará no futuro a derrota da morte às mãos do Deus de Israel.
Compreender a Palavra
O oráculo começa com a descrição pormenorizada da ementa: pratos suculentos, vinhos excelentes, carnes de boa gordura; depois enumera os convidados: todos os povos da terra, sem excepção, serão convidados para a mesma mesa, alegrar-se-ão juntos aqueles que antes se tinham odiado, se ti¬nham agredido com violência e tinham lutado para conquistar terras e bens.
Durante o banquete acontecerão factos extraordinários, inauditos: o Senhor tirará o véu, o pano que cobre os olhos dos homens, e todos O poderão contemplar, sentado à mesa com eles; «destruirá para sempre a morte, enxugará as lágrimas de todas as faces.» É o anúncio do desaparecimento de tudo aqui¬lo que é para o homem sinal de morte e de derrota.
O profeta aludia aos tempos escatologico-messiânicos, mas não imaginava que um dia o Senhor iria derrotar a morte para sempre. Compreendê-lo-á, ao invés, São Paulo, o qual, ilumi¬nado pelos acontecimentos da Páscoa, escreverá aos Coríntios:
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«Quando este ser corruptível for revestido de incorruptibili¬dade e este ser mortal for revestido de imortalidade, então se cumprirá a palavra da Escritura: “A morte foi engolida pela vitória”» (ICor 15,54). Compreendê-lo-á o vidente do Apoca¬lipse o qual, ao ver surgir céus novos e uma nova terra, vê Deus que enxuga as lágrimas dos olhos de todos os homens (AP 21,4).
SALMO RESPONSORIAL SL 22,1-6
O salmo é o hino cantado por quem tem a certeza de que o Senhor é o Deus da vida, que vence todas as formas de mor¬te. Como um pastor, Ele introduz num mundo fraterno quem n Ele confia: é o início do banquete que terá a sua plena reali¬zação no Céu.
ACLAMAÇÃO ANTES DO EVANGELHO
Aleluia, aleluia.
O Senhor vem salvar o seu povo:
felizes os que estão preparados para irem ao seu encontro.
Aleluia.
EVANGELHO MT 15,29-37
Jesus cura muitos enfermos e multiplica os pães.
Ler a Palavra
Entre todos os sinais feitos por Jesus, nenhum é narrado tantas vezes nos Evangelho como o da multiplicação dos pães. Todos os evangelistas o relatam pelo menos uma vez. São Ma¬teus e São Marcos fazem-no duas vezes. Jesus fez milagres muito mais extraordinários e são narrados uma vez só. Como é que, na Igreja primitiva, foi dada tanta importância à multi¬plicação dos pães?
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Compreender a Palavra
O termo com que as nossas Bíblias intitulam este texto não nos ajuda a compreender a sua mensagem. Normalmente uti¬lizam multiplicação dos pães, ao passo que o Evangelho fala só de pães e de peixes postos em comum, da distribuição dos mesmos, do resultado – todos comeram e ficaram saciados – e da recolha, sete cestas cheias, dos pães que sobraram, sinal de um alimento que nunca iria esgotar-se. Só isto. A mensa¬gem central da narração, portanto, não devemos procurá-la na multiplicação, mas no convite à distribuição do pão oferecido por Jesus.
Quem conhece as Escrituras não se detém no gesto mate¬rial, mas compreende o sinal realizado por Jesus. Recorda as palavras de Moisés: «O homem não vive só de pão, mas de tudo aquilo que sai da boca de Deus» (DT 8,3), e dos convites que a Sabedoria de Deus dirige aos ingénuos: «Vinde, comei do meu pão» (PR 9,5).
É este o pão que dá vida: a Palavra do Senhor que nos é enviada do Céu, Palavra que se tornou um de nós em Jesus de Nazaré. Quem o tem a Ele e ao seu Evangelho, não precisa de mais nenhum pão nem de outras revelações.
Na noite em que foi entregue às mãos de quem O iria ma¬tar, para tornar perceptível a sua opção enquanto alimento de vida, Jesus quis deixar-nos um sinal. Enquanto ceava com os seus discípulos, «tomou o pão e, tendo pronunciado a bênção, partiu-o, distribuiu-o aos seus discípulos e disse: “Tomai e co¬mei, isto é o meu corpo”» (MT 26,26).
DA PALAVRA PARA A VIDA
O problema ao qual Jesus, com o Seu gesto, pretende dar resposta diz respeito à fome, não só a de tipo espiritual, mas também a de tipo material. Quem assimila a sua Palavra e se aproxima do banquete eucarístico dá um sinal que indica a
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vontade de colocar à disposição de quem tem fome os bens que Deus lhe deu.
A raiz hebraica de que deriva o termo pão tem as mesmas le¬tras de uma outra raiz, do significado oposto: combater, travar batalha. O animal come sozinho ou compete com o seu seme¬lhante. O homem é chamado a comer à mesa com os seus ir¬mãos. O pão consumido isoladamente satisfaz o animal, não o homem. Só quando é partilhado é que o pão deixa de ser motivo de disputas e se torna sinal de amor e de fraternidade. Existe o problema da fome no mundo e nós quereríamos que Deus o resolvesse com multiplicações.
Nós temos a tendência para multiplicar tudo que é material: o dinheiro, a saúde, os anos de vida, as amizades, os sucessos e, quando nos sentimos incapazes de multiplicar, pedimos a Deus que o faça em nosso lugar. Mas a tendência para multi¬plicar é uma síndrome de morte, deriva do medo da morte e da falência, é sinal de falta de fé.
Jesus segue uma lógica diferente, uma lógica que não permite sermos preguiçosos, mas que nos envolve e responsabiliza.
O problema da fome material pode e deve ser resolvido.
O pranto e todas as formas de morte devem ser vencidas, mas só o serão realmente quando os homens, alimentando-se da Palavra de Cristo e partilhando o pão eucarístico, se sentirem irmãos e colocarem os imensos dons que receberam de Deus ao serviço de quem precisa.
Oração
(Colecta, Missa do dia)
Preparai, Senhor, os nossos corações
com o poder da Vossa graça,
para que, no dia da vinda de Cristo vosso Filho,
mereçamos entrar no banquete
da vida eterna e receber d’Ele mesmo
o alimento do Céu.
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QUINTA-FEIRA
PRIMEIRA LEITURA Is 26,1-6
Entrará um povo justo, que pratica a fidelidade.
Ler a Palavra
Um profeta anónimo, que viveu nos últimos séculos antes de Cristo, reflecte sobre os acontecimentos históricos do Mé¬dio Oriente antigo. Tem debaixo dos olhos a cidade de Jerusa¬lém. Contempla-a ressurgida dos escombros a que a tinham reduzido os exércitos de Nabucodonosor: é uma cidade forte, bem protegida, inabalável. Pelo contrário, Babilónia, a grande, a soberba, a maldita já não existe, é um monte de ruínas. Des¬tinos opostos de duas cidades que colocaram a sua esperança, uma em Deus, e a outra no Homem.
Compreender a Palavra
Na Bíblia, a imagem da rocha é aplicada a Deus (DT 32,4). A rocha é símbolo de estabilidade e Israel fez a experiência de só encontrar a estabilidade no seu Deus; só quando se afastou d’Ele é que decretou a sua ruína.
O cântico proposto pela leitura de hoje é um hino que o povo canta ao Senhor, «rocha eterna», na qual Israel colocou a sua confiança e não ficou desiludido.
Caiu Nínive, «a grande cidade» (JN 1,2); desapareceu Assur; Babilónia foi destruída; pelo contrário, Jerusalém, repetidas vezes devastada e reduzida a «uma cabana numa vinha, como choça num pepinal» (Is 1,8) está agora rodeada de muros e baluartes, tornou-se a cidade da paz e mantém as suas portas abertas para consentir a entrada a todos aqueles que preten¬dem professar a fé no Deus verdadeiro. O profeta referia-se à Jerusalém terrena e não podia imaginar o significado mais
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profundo que Deus pretendia dar ao seu oráculo. Hoje os cris¬tãos podem lê-lo e compreendê-lo à luz de toda a revelação: a rocha sólida é Cristo e a cidade firme e compacta é a comuni¬dade dos seus discípulos que formam as pedras vivas do novo edifício construído por Deus.
SALMO RESPONSORIAL SL 117,1.8-9.19-21.25-27
Diante da cidade de Jerusalém, salva pela fé que colocou em Deus, o povo sente a necessidade de agradecer a Deus pelo prodígio por Ele realizado. Canta antes de mais a sua bondade e misericórdia; depois enuncia a lição que aprendeu dos acon¬tecimentos da História. Finalmente, pede para poder entrar no templo para dar graças a Deus.
ACLAMAÇÃO ANTES DO EVANGELHO Aleluia, aleluia.
Procurai o Senhor enquanto se pode encontrar, invocai-O, enquanto está perto.
Aleluia.
EVANGELHO MT 7,21.24-27
Aquele que faz a vontade de meu Pai entrará no reino dos Céus.
Ler a Palavra
Quem lê o Evangelho corre o risco de julgar sábios, mas impraticáveis, os ensinamentos do Mestre e de permanecer no grupo dos seus admiradores sem se deixar envolver até ao fundo pela sua mensagem. Eis a razão da séria advertência de Jesus com que começa o texto de hoje: «Nem todo aquele que Me diz “Senhor, Senhor” entrará no Reino do Céu; só entrará aquele que põe em prática a vontade de meu Pai que está no Céu.»
I SEMANA DO ADVENTO | 69

Compreender a Palavra
A parábola que constitui a parte central do Evangelho de hoje introduz dois personagens: o primeiro, sábio, constrói a sua casa sobre a rocha; o segundo, insensato, edifica-a sobre a areia. A obra de ambos é posta à prova pela chuva, pelas tor¬rentes que transbordam, pelos ventos impetuosos. Mas só a casa edificada sobre a rocha resiste ao ímpeto das águas e das tempestades.
A vida de cada homem pode comparar-se a essa constru¬ção. Só quem projecta a sua vida com perspicácia, desde os alicerces, manterá estabilidade diante de Deus. É decisivo, nes¬te sentido, não se limitar a escutar as palavras de Jesus, mas é necessário dar-lhe um seguimento concreto. Quem se limita a uma simples escuta, coloca-se noutro alicerce. Jesus adverte, porém, que qualquer outro alicerce é areia e não oferece apoio duradouro. Uma vida fundada na areia está destinada a ruir.
Na linguagem bíblica as imagens da chuva e dos ventos não se referem aos acontecimentos e às dificuldades da vida, mas descrevem o juízo de Deus. Um dia Ele pronunciará a sentença de aprovação ou de condenação da vida de cada homem, de¬clarando o seu êxito ou insucesso. O juízo de Deus será como uma tempestade violenta que só deixará em pé as construções sólidas, as que estiverem fundadas – diz Jesus – sobre a sua Palavra, sobre os valores por Ele propostos, sobre as Suas bem- -aventuranças.
DA PALAVRA PARA A VIDA
Sentimos uma alegria imensa quando verificamos que alguém confia em nós: é como se esse alguém se entregasse nas nossas mãos; demonstra preferir-nos a tantos outros, e isto faz-nos sentir importantes, merecedores de estima, alguém em quem se pode confiar. Confiar é crer em alguém, sem nenhuma
70 I LECCIONÁRIO COMENTADO

outra garantia que não seja a sua palavra, uma palavra que porventura não é óbvia, nem se pode analisar, mas é a sua. Tomemos como exemplo um rapaz e uma rapariga enamora¬dos: encontram-se e reparam que sentem um pelo outro uma atracção recíproca; estão conscientes de que nem tudo na vida de casal é previsível, que o espírito humano é volúvel e que devem ser tidas em conta também as incoerências e as fortes desilusões. E no entanto, depois de terem reflectido com pon¬deração, no fim decidem entregar a sua vida e o seu destino um nas mãos do outro. É um acto de fé, o deles.
O pecado é a opção de não confiar em Deus, é julgar poder gerir a sua vida e alcançar a felicidade fora ou contra o seu projecto, é escolher construir sozinho o próprio destino.
Esta decisão ofende a Deus, porque menospreza o Seu amor; equivale a ver nas Suas palavras paternas não indicações para o bem, mas obstáculos, e Ele mesmo um concorrente ciumen¬to da nossa felicidade.
E no entanto, nem o ateu pode viver sem um deus. Porventu¬ra inconscientemente, mas também ele, para dar sentido à sua vida, confia em alguém ou nalguma coisa e amiúde escolhe um deus sem consistência, «uma rocha» fria que não oferece estabilidade ao edifício. Os israelitas tinham feito a experiên¬cia disso e diziam dos seus inimigos derrotados e humilha¬dos: «A rocha deles não é como a nossa.»
Ouvimos muitas vezes dizer: «Não se pode confiar nas pes¬soas»; «Confiar nos outros é bom, mas confiar em nós mes¬mos é melhor.» E no entanto confiamos pouco, quando deve¬ríamos fazê-lo; corremos o risco de edificar a nossa vida sobre valores e ideais propostos pelos homens.
As leituras de hoje indicam-nos a única opção sábia: cons¬truir a nossa vida sobre uma rocha que jamais será abalada, a Palavra de Deus.
I SEMANA DO ADVENTO | 71

Oração
(Colecta, IX domingo do Tempo Comum)
Deus Todo-poderoso e eterno, cuja providência não se engana em seus decretos, humildemente Vos suplicamos: afastai de nós todos os males e concedei-nos todos os bens.
72 I LECCIONÁRIO COMENTADO

SEXTA-FEIRA
PRIMEIRA LEITURA Is 29,17-24
Nesse dia, os olhos dos cegos hão-de ver.
Ler a Palavra
A luz está associada a ressonâncias positivas e a emoções agradáveis: «ver a luz» equivale a «estar vivo» (JOB 3,20); pelo contrário, às trevas está associada a lembrança da morte.
O profeta Isaías retoma estas imagens bíblicas e pronuncia o seu oráculo num momento dramático e obscuro da história dos israelitas. Ele anuncia uma intervenção prodigiosa do Se¬nhor: Deus abrir-lhes-á os olhos, libertá-los-á da escuridão e das trevas.
Compreender a Palavra
Com uma série de imagens, a leitura apresenta os efeitos que a intervenção de Deus produzirá a favor do Seu povo: o orgulhoso Líbano, célebre pelos seus cedros majestosos, será reduzido a uma modesto bosque e o bosque transformado numa selva: os cegos recuperarão a vista, os humildes e os po¬bres rejubilarão, e os tiranos, os cínicos e os violentos serão eliminados.
Quando o Senhor realizar estas intervenções de salvação, Israel ficará a saber que o seu Deus não envelheceu, é o mesmo redentor forte que o libertou do Egipto e que nunca abandona o Seu povo.
Nas origens da luz que iluminará o mundo estará um acon¬tecimento que produzirá uma transformação radical na socie¬dade corrompida e violenta: «Os surdos ouvirão as palavras do livro divino.» O livro a que o profeta se refere é a Sagrada Escritura que contém a Palavra de Deus. Quando os homens
I SEMANA DO ADVENTO | 73

deixarem de ser surdos aos apelos do Senhor, já não caminha¬rão nas trevas, pelo contrário serão guiados na luz da vida. Os prodígios anunciados acontecerão, embora o tempo da sua realização esteja envolvido no mistério dos desígnios de Deus. O profeta introduz o oráculo com uma frase enigmáti¬ca: «Daqui a muito pouco tempo»… que poderíamos traduzir também por: «Não dentro de muito pouco tempo, mas certa¬mente. ..» Isaías convida hoje a não perdermos a esperança e a continuar a acreditar no triunfo da luz.
SALMO RESPONSORIAL SL 26,1.4.13-14
A comunidade responde às palavras do profeta com um hino de esperança: «Espero a dita de ver a bondade do Se¬nhor», exclama o salmista, o qual dirige depois a cada crente o convite: «Coragem! Espera no Senhor! Coração firme!»
ACLAMAÇÃO ANTES DO EVANGELHO Aleluia, aleluia.
O Senhor virá com poder e majestade e iluminará os olhos dos seus fiéis.
Aleluia.
EVANGELHO MT 9,27-31
Dois cegos acreditam em Jesus e são curados.
Ler a Palavra
Quem ficou convencido da cura dos dois cegos feita por Jesus um dia, possivelmente não entendeu o significado do sinal e não acolheu a mensagem que, com esse gesto, Jesus quis comunicar. É talvez por isso que, para evitar equívocos, no Evangelho de hoje, Jesus não cura os cegos no meio das pessoas, mas leva-os para casa. Levada pelo entusiasmo fácil, a
74 I LECCIONÁRIO COMENTADO

multidão poderia aclamá-FO Messias, mas sem O reconhecer como o Senhor que quer fazer triunfar no mundo a luz do Céu.
Compreender a Palavra
O episódio narrado no Evangelho oferece uma interessante sucessão de gestos que permitem entender o significado «sim¬bólico» do milagre feito por Jesus.
Os dois cegos gritam em altos brados: é a oração angustiada de quem já sofreu muito por causa da cegueira. Os dois cegos sabem que, movimentando-se na escuridão, amiúde saíram do caminho, causando dano a si mesmos e aos outros. Exprimin¬do o mal-estar da sua condição, seguem Jesus, entram na casa onde Ele mora, aproximam-se d’Ele. A casa é a comunidade cristã: é aqui que ecoa a Palavra que ilumina, que faz ver as realidades deste mundo de um novo modo.
Os dois cegos professam a sua fé em Jesus. Só depois de te¬rem encontrado Cristo e de terem escutado a sua Palavra, é que O reconhecem como Senhor, se confiam a Ele e recuperam a vista.
Então, Jesus toca nos olhos dos cegos. O dom da cura é um acontecimento relacional que requer o encontro e o contacto com Jesus. Essa mesma experiência renova-se na comunidade cristã através da qual Cristo faz ouvir a Sua palavra de salvação, entra em contacto com as doenças da humanidade e cura-as. O silêncio imposto por Jesus indica que Ele não quer ser anun¬ciado como Aquele que resolve os problemas do mundo me¬diante milagres que prescindam do empenho do homem. No entanto, quem fez a experiência da salvação efectuada pela fé em Cristo não pode calar-se, sente a necessidade de anunciar a todos a transformação interior que aconteceu nele e a alegria de ver o mundo com olhos novos, com os olhos de Deus.
I SEMANA DO ADVENTO | 75

DA PALAVRA PARA A VIDA
«Tudo o que Deus criou é bom, e nada é desprezível se toma¬do com acção de graças, porque é santificado pela Palavra de Deus e pela oração.» (1Tm4,4) Mas a beleza das criaturas pode ser ilusória, seduz facilmente o homem, leva-o à idolatria e fá- -lo esquecer Aquele que as fez. Muitos sobrevalorizam-nas, outros desprezam-nas. Qual é o seu justo valor? O deus deste mundo pode cegar as inteligências «a fim de que não vejam brilhar a luz do Evangelho» (2COR 4,4).
Quem entra numa joalharia para comprar uma jóia precisa de luz para não ser levado a tomar por ouro o brilho enganador de um objecto qualquer.
A nossa vida é um capital valioso e não podemos correr o ris¬co de o investir de forma errada. A procura do prazer a todo o custo, lutar por aparecer, por ter, por dominar, são vaidades, não têm consistência, são efémeras como a erva que seca e desaparece.
«Tende cuidado com os doutores da Lei. Eles gostam de an¬dar com vestes compridas, de ser cumprimentados nas praças públicas, gostam dos primeiros lugares nas sinagogas e dos lugares de honra nos banquetes.» (Mc 12,38-39) Tende cuida¬do! – recomenda Jesus – enquanto nós somos levados a con¬templar, a ficar fascinados fixando e admirando as pessoas de sucesso aos olhos do mundo. São modelos de vida caducos de que nos devemos afastar, são uma espécie de tentação mui¬to séria e perigosa.
Para adquirir o olhar de Deus, para ver as criaturas com os Seus olhos, julgar os seus valores e pôr no seu devido lugar, aquilo que o Criador lhes confiou, precisamos que Cristo cure a nos¬sa cegueira, que através da sua Palavra faça brilhar a Sua luz. «Ver a luz» é sinónimo de nascer (JOB 3,16). Os primeiros cristãos chamavam «iluminados» aos que tinham recebido o Baptismo; consideravam-nos recém-nascidos, «que viram a luz» na noite de Páscoa. A partir desse momento já não caminhavam como quem «caminha nas trevas e não sabe para onde vai, porque as trevas lhe cegaram os olhos» (ljo 2,11).
I LECCIONÁRIO COMENTADO

Oração
(Colecta, XXX domingo do Tempo Comum)
Deus eterno e omnipotente, aumentai em nós a fé, a esperança e a caridade; e para merecermos alcançar o que prometeis, fazei-nos amar o que mandais.
I SEMANA DO ADVENTO | 77

SÁBADO
PRIMEIRA LEITURA Is 30,19-21.23-26
À voz da tua súplica, o Senhor terá compaixão de ti.
Ler a Palavra
Um profeta que viveu depois da triste experiência do exílio conta como o Senhor conseguiu reconquistar o afecto do Seu povo e anuncia as maravilhas que Ele pretende realizar. São promessas de bem que esperam ainda o pleno cumprimento. Não eram reservadas só a Israel, eram a imagem do mundo feliz que o Senhor quer realizar.
Compreender a Palavra
Na leitura de hoje o profeta dirige-se ao povo que sofre por causa do seu pecado e está convencido de que Deus, ciumento e vingativo, o castiga. Não compreendeu ainda que o Senhor não castiga, porque o pecado não é uma maldade que deve ser punida, mas um erro que deve ser corrigido. Deus intervém sempre e só para recuperar do pecado e fazer desaparecer a dor que o acompanha.
O profeta começa o seu oráculo anunciando a salvação do Senhor: «Não chorarás mais» – promete Ele ao Seu povo – porque a dor que sentiste, ao afastar-te do teu Deus, te levará a clamar por Ele e Ele «logo te responderá».
Depois de se arrepender, Israel verá a sua terra tornar-se fértil: as chuvas serão abundantes, o pão substancioso, as sea¬ras férteis; até os montes e as colinas serão inundados por ca¬nais e torrentes de água.
É a terra com que o povo, chegado das estepes áridas do de¬serto, tinha sempre sonhado e é uma pálida imagem do mun¬
78 I LECCIONÁRIO COMENTADO

do novo que o Senhor, com a Sua vinda, quer construir. Este mundo surgirá quando, acolhendo o apelo do profeta, os ho¬mens se converterem a Deus. Então «a sua glória habitará na nossa terra. Amor e fidelidade encontram-se, a Justiça e a Paz abraçam-se. A Fidelidade brotará da terra, e a justiça inclinar- -se-á do céu.» (SL 85,10b-12)
SALMO RESPONSORIAL SL 146,1 -6
Israel contemplou mais vezes Jerusalém, destruída por cau¬sa da insensatez dos seus habitantes, ressurgir dos escombros, e interpretou tudo isso como um sinal de que o Senhor não pode abandonar a cidade por Ele amada e que está sempre pronto a reedificá-la quando cai em ruínas.
O salmo é um cântico de louvor a Deus que «reconstruiu Jerusalém e reuniu os dispersos de Israel» que tinham sido de¬portados para o exílio.
ACLAMAÇÃO ANTES DO EVANGELHO
Aleluia, aleluia.
O Senhor é o nosso legislador, o nosso juiz, o nosso rei:
Ele próprio vem salvar-nos.
Aleluia.
EVANGELHO MT 9,35-10,1.6-8
Ao ver as multidões, enheu-Se de compaixão.
Ler a Palavra
Pela boca do profeta Ezequiel, o Senhor prometeu, referin¬do-se aos exilados na Babilónia: «Retirarei as minhas ovelhas do meio dos povos e reuni-las-ei de todas as regiões, e fá-las-ei voltar à sua terra. Cuidarei delas como pastor, nos montes de
I SEMANA DO ADVENTO | 79

Israel, nos vales e em todos os lugares habitados do país […]. Poderão repousar num bom redil e terão pastos abundantes sobre os montes de Israel.» (Ez 34,13-14) Realizando a antiga profecia/Jesus é o pastor autêntico que JHWH, movido de com¬paixão, enviou aos israelitas, «ovelhas sem pastor».
Compreender a Palavra
Como JHWH teve compaixão de Israel, assim Jesus a tem pelo Seu povo porque não vê ninguém que cuide dele: nem os chefes políticos, nem as autoridades religiosas. Todos se pre¬ocupam com os próprios interesses, com as suas vantagens, com a perspectiva de fazerem carreira. Pretendem privilégios, querem melhorar as suas vidas, e deixam de lado o povo que tem fome, que está doente, vive oprimido e é vítima de abusos.
Jesus é sensível às necessidades e às dores dos homens, e a compaixão que sente impele-0 a intervir, mas não só: escolhe discípulos aos quais comunica os seus poderes e envia-os ao mundo para que cuidem dos homens, rebanho amado por Deus.
Jesus ordena a esses discípulos que continuem a sua obra e confere-lhes a autoridade de expulsar os espíritos malignos e de curar os enfermos.
A recomendação final do texto – «Recebestes de graça, dai de graça» -• é o pedido do desapego completo de qualquer for¬ma de vantagens no desempenho da obra apostólica. O dis¬cípulo de Cristo não trabalha para obter vantagens pessoais, para enriquecer e nem sequer para conseguir um prémio me¬lhor no Paraíso. Oferece gratuitamente a sua disponibilidade, como fez o seu Mestre. A sua única recompensa será a alegria de ter servido e amado os irmãos com a generosidade que ca¬racterizou o ministério de Jesus.
80 I LECCIONÁRIO COMENTADO

DA PALAVRA PARA A VIDA
Os cristãos não receberam o poder de fazer prodígios, de curar milagrosamente as pessoas. Os demónios e as doenças são o símbolo de tudo o que se opõe à vida – física, psíquica, espiritual – do homem, são a expressão de todas as formas de morte com as quais, em todos os momentos, temos de nos confrontar.
A autoridade que Jesus confere é a força prodigiosa da sua Palavra capaz de debelar o mal e de criar um mundo novo. São Mateus refere uma estranha recomendação de Jesus aos discípulos: «Não sigais pelo caminho dos pagãos e não entreis nas cidades dos samaritanos. Ide primeiro às ovelhas perdidas da casa de Israel.» (MT 10,5-6) Parece uma cedência aos pre¬conceitos e aos exclusivismos cultivados pela maioria do Seu povo. Pelo contrário, é a expressão da estratégia de Deus. Para fazer chegar a salvação a todos os povos, Deus escolheu Israel, «o seu filho primogénito» (Ex 4,22), e constituiu-o no mundo como sinal dos Seus desvelos e das Suas atenções; quis que fosse um povo santo para manifestar a todos os povos a Sua santidade; fê-lo «luz para as nações para que a minha salvação chegue até aos confins Terra» (Is 49,6).
Hoje a comunidade cristã é o povo depositário das promes¬sas e da aliança entre Deus e a humanidade. A Igreja, chama¬da a santificar o mundo, deve antes de mais santificar-se a si mesma; encarregada de proclamar a liberdade, a igualdade, a paz, o respeito pela pessoa humana, deve viver no seu interior estes valores; destinada a ser cidade colocada sobre o mon¬te e lâmpada que ilumina a casa, precisa de ser a primeira a deixar-se iluminar pela Palavra de Deus.
Só se responder à voz do seu Pastor e se tornar autêntico reba¬nho fiel a Deus, a comunidade cristã será capaz de cumprir a missão que lhe foi confiada e conseguir curar as doenças que hoje afectam a humanidade: a fome, as guerras, a violência, os ódios, os fanatismos, as intolerâncias.
I SEMANA DO ADVENTO | 81

Oração
(Colecta, Missa para a evangelização dos povos)
Senhor, que na Vossa misericórdia infinita, quereis que todos os homens se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade, vede como é grande a Vossa messe e enviai-lhes operários, para que seja anunciado o Evangelho a toda a criatura e o Vosso povo, reunido pela palavra da vida e sustentado pela força dos sacramentos, siga o caminho da salvação e da caridade.
82 I LECCIONÁRIO COMENTADO

II DOMINGO – ANO A
PRIMEIRA LEITURA Is 11,1-10
Julgará os infelizes com justiça.
Ler a Palavra
O oráculo de Isaías é rico de referências que se relacionam com toda a tradição profética e messiânica. Podemos distin¬guir nele pelo menos quatro temáticas: a plenitude do Espírito do Senhor sobre o ramo saído do tronco de Jessé (w. 1-2). A sua tarefa prioritária será o de restabelecer a justiça, em de¬fesa dos pobres (w. 3-5); o efeito do seu governo será a paz (w. 6-9); os povos procurarão por isso o reino messiânico da raiz de Jessé (v. 10).
Compreender a Palavra
Quantas vezes Israel, na sua longa história, exprimiu a es¬pera de uma ordem messiânica, entre homens e no Universo, que tivesse Deus por origem e autor primeiro, e como seu «ins¬trumento» visível e histórico um seu eleito! A recordação do oráculo de Natã a David (2SM 7) foi fonte de múltiplas profe¬cias, como a de Isaías no texto litúrgico de hoje.
De entre as quatro secções temáticas da leitura de hoje, não se sabe qual a que melhor nos prepara para as festas natalícias! Acaso será a efusão singular do «Espírito do Senhor» ou o exer¬cício da justiça em defesa dos pobres? É precisamente esta últi¬ma acção messiânica que olha, com uma fervorosa invocação, para grande parte da Humanidade, mesmo dos nossos dias!
II DOMINGO DO ADVENTO | 83

possível sermos atingidos por uma «voz» que nos conduz às realidades mais profundas e alegres.
Mais profunda, se, às «vozes» dos profetas e à «voz» do pre¬cursor (primeira leitura e Evangelho) unirmos as nossas ex¬pectativas e as expectativas antigas daqueles que se sentiram e se sentem longe da pátria e da paz; se prolongarmos, com a nossa esperança, as esperanças desiludidas por realizações parciais, acreditando firmemente numa plenitude divisada, mas «não ainda» alcançada e, aparentemente, «demorada» {segunda leitura).
Alegria mais profunda, porque é fruto de «consolação», de sincero reconhecimento do passado e dos limites do presente, mas capaz de reconhecer que pessoas e povos, como erva e flores, murcham {primeira leitura), mas talvez por isso mes¬mo, capazes de ainda dar lugar a novos rebentos e novos fru¬tos quando, passado o sopro de ira, estivermos mais aptos a escutar essa voz que dura para sempre {salmo responsorial). Alegria mais profunda e jubilosa porque, despertada para a espera por «uma voz que clama no deserto», reconhecermos a presença de Deus não só na glória de um rei que regressa por nós, vencedor de batalhas maiores, mas também na ternura de um pastor que caminha ao passo das ovelhas mais fracas e leva nos braços as que ainda não sabem caminhar {primeira leitura). Alegria tanto mais profunda e jubilosa quanto mais refinada {segunda leitura) for pela diferença entre os tempos de Deus e os tempos do homem, entre a paciência de Deus e as impa- ciências do homem.
Oração
A lembrança da Vossa vinda
na fraqueza da nossa carne mortal,
nos ensine, Senhor Jesus, a caminhar para Vós,
na força do vosso Espírito,
para vermos Convosco o rosto do Pai.
I LECCIONÁRIO COMENTADO

II DOMINGO – ANO C3
PRIMEIRA LEITURA BR 5,1-9
Deus mostrará o teu esplendor.
Ler a Palavra
Este esplêndido texto de consolação pertence ao Livro de Baruc, secretário de Jeremias, deportado para o exílio da Babilónia depois da queda de Jerusalém. Nele se lê um texto profético apto para despertar as esperanças messiânicas. É a mesma cidade que espera o Messias, Jerusalém, que pronuncia palavras de exortação a si própria, a fim de reencontrar a força para esperar de novo no Senhor.
Compreender a Palavra
Os versículos litúrgicos constituem a segunda parte de um longo discurso profético escrito em forma poética (BR 4,5- -5,9). Nele as palavras de esperança multiplicam-se com a in¬tenção de induzir o «resto de Israel» (BR 4,5), disperso entre os gentios, a depor as vestes de luto e a revestir-se com as vestes da justiça. A causa da dispersão de Israel e da sua entrega aos estrangeiros foi, de facto, a negligência na observância da Lei de Deus e da Sua justiça (BR 4,13).
Agora o Senhor está pronto a reconduzir todos os deporta¬dos «em triunfo, como filhos de reis» (v. 6). Ressoam no pas¬
3 Rosanna Virgili dal Prà, leiga, biblista, professora e conferencista.
II DOMINGO DO ADVENTO | 93

so os textos da consolação do Primeiro, do Segundo (Is 40,5; 41,19; 42,16; 49,22; 52,1) e do Terceiro Isaías (Is 61,10) que celebram a Jerusalém do futuro como cidade da justiça, para a qual subirão todos os povos da terra.
SALMO RESPONSORIAL SL 125,1-6
A alegria marca este salmo que canta a bondade do Senhor, que reconduz para casa os prisioneiros de Sião, ou seja, os de¬portados, em países estrangeiros. Serve de moldura à alegria experimentada pelo prisioneiro Paulo (será a segunda leitura), devido ao motivo do amor fraterno demonstrado pelos fili- penses para com ele.
SEGUNDA LEITURA FL 1,4-6.8-11
Puros e irrepreensíveis para o dia de Cristo.
Ler a Palavra
O texto apresenta o exórdio da Carta aos Filipenses, onde Paulo, agradece ao Senhor por ter iniciado nos Seus interlocu¬tores a obra do Evangelho. Tal é a estima e o afecto do Apóstolo pelos cristãos de Filipos, que ele não pode conter a sua ternura e o seu amor para com eles; manifesta estes sentimentos sob a forma de uma oração ardente pelo crescimento dos filipenses na santidade.
Compreender a Palavra
Nos versículos 4-6 encontramos a menção da oração ju¬bilosa que Paulo pronuncia pelos filipenses, por causa do seu empenho pelo Evangelho. Um empenho muito apreciado pelo Apóstolo e que implica quer a actividade de colaboração na difusão do Evangelho, quer a participação no mistério da Sal¬vação, que o próprio Evangelho contém. Um envolvimento da comunidade de Filipos tão sincero e total que certamente o
94 I LECCIONÁRIO COMENTADO

Senhor levará a cumprimento concedendo-lhe a merecida ple¬nitude.
Nos versículos 8-11 Paulo exprime a doçura do seu amor especial para com esta Igreja, que ele sente próxima num mo¬mento de dor devido à sua prisão (v. 7). Paulo retribui essa solidariedade infundindo o seu coração na oração para que os seus irmãos cresçam na justiça e na caridade.
ACLAMAÇÃO ANTES DO EVANGELHO Lc 3,4.6
Aleluia, aleluia.
Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas e toda a criatura verá a salvação de Deus.
Aleluia, aleluia.
EVANGELHO Lc 3,1-6
Toda a criatura verá a salvação de Deus.
Ler a Palavra
Estamos no início da secção que o Terceiro Evangelho de¬dica à pregação de João Baptista. Lucas, através de uma longa introdução em estilo historiográfico, quer sublinhar a influên¬cia do Baptista no decurso da sua História contemporânea. Os personagens citados são, de facto, os protagonistas da cena política universal: o Imperador Romano Tibério César, o go¬vernador Pôncio Pilatos, Herodes, Filipe e Lisânias, as auto-ridades religiosas judaicas Anás e Caifás. É precisamente no interior dos factos que condicionam a História «mundial» que Lucas coloca a «palavra» de João Baptista.
Compreender a Palavra
É muito importante, para um historiógrafo como Lucas o enquadramento espaciotemporal da pregação de João Baptis¬ta. A colocação temporal é introduzida segundo o modo clás¬
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sico dos historiadores romanos, calculada em referência aos anos de governo do imperador no cargo: o «décimo quinto ano de Tibério César» (Lc 3,1) corresponde a Agosto/Setem¬bro de 28/29 d. C.
Quanto à colocação espacial, a narração está ambientada no deserto, lugar que amiúde Lucas associa a João Baptista (Lc 1,80; 7,24). Tem um valor histórico, mas também simbóli¬co: o deserto como lugar bíblico por excelência, ícone do êxo¬do de Israel da escravidão do Egipto para a Terra Prometida. Lucas distingue claramente o Baptismo de João Baptista do Baptismo cristão (Lc 3,16; ACT 18,24-19,5), mas ao mesmo tempo associa-os, porque tudo o que João cumpre inaugura a missão de Jesus. João é aquele que prepara o caminho a Jesus.
Portanto a obra do precursor inaugura um tempo de alegria e de cânticos: é o que é antecipado por Baruc na primeira lei¬tura, ao convidar Jerusalém a deixar as vestes de luto porque «Deus conduzirá Israel na alegria, à luz da sua glória, com a misericórdia e a justiça». É o que celebra o salmo 125 ao ante¬cipar a memória de um regresso feliz dos exilados.
DA PALAVRA PARA A VIDA
A figura e a pregação de João Baptista (Evangelho) colocam- -nos perante a missão da profecia. Como João Baptista sabia «escutar» a expectativa do seu povo, que vivia num deserto simbólico, isto é, num lugar árido, privado de fontes de vida, assim o crente deve sentir a sede e a fome do mundo, deve co¬nhecer o «deserto» no qual o homem moderno vive ou sobre¬vive. Um deserto feito, nas sociedades ocidentais, de palavras e coisas vazias, superficiais, de imagens sem espessura nem substância. Nessa aridez o cristão deve descobrir poços novos e cada vez mais profundos de água.
Na esteira do profeta Baruc (primeira leitura), que soube en¬contrar as palavras de esperança para um povo já deprimi¬do e cansado de acreditar, para uma Jerusalém já vestida de
96 I LECCIONÁRIO COMENTADO

luto, também o cristão é chamado a escavar espaços de futu¬ro, perspectivas de justiça e de paz debaixo da crosta dura do egoísmo e da violência, que muito frequentemente envolvem o mundo no deserto da barbárie e da resignação. Nesta tare¬fa pode deixar-se guiar pelo exemplo dos cristãos da Igreja de Filipos, ardentemente empenhados na missão evangélica (,segunda leitura). Para isso unamo-nos ao Apóstolo Paulo e rezemos ao Senhor inspirando-nos nas palavras da Carta aos Filipenses (FL 1,9-11).
Oração
Fazei, Senhor, que a nossa caridade
se enriqueça cada vez mais do conhecimento
e de todo o género de discernimento,
para que possamos distinguir sempre o que é melhor
e sermos íntegros e irrepreensíveis para o dia de Cristo,
cheios daqueles frutos de justiça
que se obtêm por meio de Jesus Cristo,
para glória e louvor de Deus.
II DOMINGO DO ADVENTO | 97

Roteiro homiletico

LITURGIA DA PALAVRA

Primeira Leitura

Monição: Na primeira leitura, pela boca do profeta Jeremias, o Deus da aliança anuncia que é fiel às suas promessas e vai enviar ao seu Povo um «rebento» da família de David. A sua missão será concretizar esse mundo sonhado de justiça e de paz: fecundidade, bem-estar, vida em abundância, serão os frutos da acção do Messias.

Jeremias 33, 14-16

Eis o que diz o Senhor: 14«Dias virão, em que cumprirei a promessa que fiz à casa de Israel e à casa de Judá: 15Naqueles dias, naquele tempo, farei germinar para David um rebento de justiça que exercerá o direito e a justiça na terra. 16Naqueles dias, o reino de Judá será salvo e Jerusalém viverá em segurança. Este é o nome que chamarão à cidade: ‘O Senhor é a nossa justiça’».

O profeta Jeremias, em face de ruína do seu povo e da destruição da cidade de Jerusalém pelas tropas de Nabucodonosor no ano 587, lança um grito de esperança, apelando para as antigas promessas divinas, como a célebre profecia de Natã (2 Sam 7) e a das bênçãos de Jacob (Gn 49, 10). O texto é extraído da parte final do chamado «Livro da Consolação» de Jeremias (Jer 30, 1 – 33, 26) e pensa-se que a sua redacção corresponde a esta época do fim do reinado de Sedecias. A verdade é que a organização dos oráculos que constam desta vasta e complexa obra não obedece a critérios cronológicos, mas temáticos. Lembrar que já antes, no ano 597, Nabucodonosor tinha conquistado e submetido a tributo Jerusalém e levado cativos homens mais notáveis juntamente com o jovem monarca Yoyaquin, filho de Yoyaquim, tendo deixado no trono o seu tio Sedecias, como rei vassalo.

15 «Um rebento». Metáfora clássica com que os profetas designam o Messias, «descendente» de David (cf. Is 4, 2; 11, 1; Jer 23, 5; Zac 3, 8).

16 «Este é o nome que chamarão à cidade: ‘O Senhor é a nossa justiça’». O nome indica a vocação da futura Jerusalém (a Igreja), um povo justificado por Deus, chamado a participar da sua santidade (cf. Is 1, 26).

Como curiosidade, diga-se que este texto não aparece na versão grega dos LXX, que, por esta razão, parece transmitir um texto mais puro, isto é, sem repetições; a leitura de hoje é um duplicado de Jer 23, 5-6.

Salmo Responsorial

 Sl 24 (25), 4bc-5ab.8-9.10.14 (R.1b)

Monição: No início deste Advento, aguardamos a vinda do Salvador, para quem elevemos as nossas almas.

Refrão:         PARA VÓS, SENHOR, ELEVO A MINHA ALMA.

Mostrai-me, Senhor, os vossos caminhos,

ensinai-me as vossas veredas.

Guiai-me na vossa verdade e ensinai-me,

porque Vós sois Deus, meu Salvador.

O Senhor é bom e recto,

ensina o caminho aos pecadores.

Orienta os humildes na justiça

e dá-lhes a conhecer os seus caminhos.

Os caminhos do Senhor são misericórdia e fidelidade

para os que guardam a sua aliança e os seus preceitos.

O Senhor trata com familiaridade os que O temem

e dá-lhes a conhecer a sua aliança.

Segunda Leitura

Monição: A segunda leitura convida-nos a não nos instalarmos na mediocridade e no comodismo, mas a esperar numa atitude activa a vinda do Senhor. É fundamental, nessa atitude, a vivência do amor: é ele o centro do nosso testemunho pessoal, comunitário, eclesial.

Tessalonicenses 3, 12-4, 2

Irmãos: 12O Senhor vos faça crescer e abundar na caridade uns para com os outros e para com todos, tal como nós a temos tido para convosco. 13O Senhor confirme os vossos corações numa santidade irrepreensível, diante de Deus, nosso Pai, no dia da vinda de Jesus, nosso Senhor, com todos os santos. 1Finalmente, irmãos, eis o que vos pedimos e recomendamos no Senhor Jesus: recebestes de nós instruções sobre o modo como deveis proceder para agradar a Deus e assim estais procedendo; mas deveis progredir ainda mais. 2Conheceis bem as normas que vos demos da parte do Senhor Jesus.

A leitura contém uma bênção (final do cap. 3) e um pedido ou apelo (início do cap. 4), com a mesma ideia de fundo: a de «crescer» (ou exceder-se, v. 12) e «progredir» (vv. 1 e 10), no «proceder» (à letra, no «caminhar») «para agradar a Deus». De facto, a vida cristã é um caminho em que nunca se acaba de atingir a perfeição, e tem de se lutar sem descanso para chegar à meta (cf. Filp 3, 12-15), que corresponde à «vinda de Jesus, com todos os santos». O tempo do Advento encerra um apelo para que todos nos preparemos para esta segunda vinda de Jesus (a parusia).

A vida cristã também é encarada por S. Lucas, o Evangelista deste Ano C, como um «caminho» (cf. Act 9, 2; 18, 25.26; 19, 9.23; 22, 4; 24, 14.22). Notar como na parte mais característica do III Evangelho (Lc 9, 51 – 19, 27), S. Lucas apresenta Jesus a caminho de Jerusalém, seguido dos seus discípulos e convidando outros a segui-l’O pelo caminho da renúncia (cf. Lc 9, 57-62).

Aclamação ao Evangelho          

  Sl 84, 8

Monição: O Evangelho apresenta-nos Jesus, o Messias filho de David, a anunciar a libertação a todos os que se sentem prisioneiros. É preciso, no entanto, reconhecê-l’O, saber identificar os seus apelos e ter a coragem de construir, com Ele, a justiça e a paz.

ALELUIA

Mostrai-nos, Senhor, a vossa misericórdia  e dai-nos a vossa salvação.

Evangelho

São Lucas 21, 25-28.34-36

Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 25«Haverá sinais no sol, na lua e nas estrelas e, na terra, angústia entre as nações, aterradas com o rugido e a agitação do mar. 26Os homens morrerão de pavor, na expectativa do que vai suceder ao universo, pois as forças celestes serão abaladas. 27Então, hão-de ver o Filho do homem vir numa nuvem, com grande poder e glória. 28Quando estas coisas começarem a acontecer, erguei-vos e levantai a cabeça, porque a vossa libertação está próxima. 34Tende cuidado convosco, não suceda que os vossos corações se tornem pesados pela devassidão, a embriaguez e as preocupações da vida, 35e esse dia não vos surpreenda subitamente como uma armadilha, pois ele sobrevirá sobre todos os que habitam a terra inteira. 36Portanto, vigiai e orai em todo o tempo, para terdes a força de vos livrar de tudo o que vai acontecer e poderdes estar firmes na presença do Filho do homem».

A leitura é uma selecção de versículos do chamado «discurso escatológico» de Lucas, em que se entrelaçam três realidades distintas, que temos dificuldade em destrinçar: a destruição de Jerusalém, o fim dos tempos e a segunda vinda de Cristo. Esta dificuldade de interpretação torna-se maior em virtude da linguagem simbólica usada, própria dos profetas e do género apocalíptico, e pelo facto de o fim de Jerusalém aparecer como uma imagem do fim do mundo; por outro lado, nem Jesus nem os Evangelistas pretendem com estas palavras satisfazer a curiosidade humana acerca de quando e de como vai ser o fim deste mundo efémero, pois o que se tem em vista é uma exortação a superar as dificuldades e perseguições que ameaçam os fiéis e a permanecer firmes na fé e vigilantes até ao fim: «vigiai e orai em todo o tempo» (v. 36). Este discurso é também um grito de esperança para todos os cristãos sujeitos a sofrimentos de toda a espécie: «erguei-vos e levantai a cabeça, porque a vossa libertação está próxima» (v. 28).

25-26 A comoção do «universo» – descrita em S. Marcos com mais realismo e com citações literais do Antigo Testamento – não aparece como um anúncio ou sinal prévio da vinda do Filho do Homem, mas forma parte da própria parusia: o próprio cosmos, e não apenas a humanidade, estremecerá de pavor perante a tremenda majestade do supremo Juiz, que surgirá com todo o seu poder e glória. Há aqui uma referência clara ao Juízo final, universal e público, verdade de fé que professamos no Credo. Jesus descreve-nos este acontecimento com o mesmo colorido do «Dia de Yahwéh», o dia da justa retribuição definitiva, anunciado pelos Profetas (Is 34, 4; 13, 10; cf. Ez 32, 7-8; Joel 2, 10; 4, 15-16; etc). As «forças celestes» são as forças que mantêm os astros nas suas órbitas, ou, por uma metonímia, os próprios astros. Estas imagens grandiosas e aterradoras, pertencentes ao estilo apocalíptico, prestam-se a encarecer a singular seriedade dos acontecimentos anunciados, bem como a suma dignidade do Juiz, Senhor do Universo. O Catecismo da Igreja Católica fala do Juízo final como sendo a palavra definitiva do Senhor sobre toda a história, que «revelará como a justiça de Deus triunfa de todas as injustiças cometidas pelas suas criaturas e como o seu amor é mais forte do que a morte» (n.º 1040).

27 «O Filho do Homem vir numa nuvem». Não se trata de uma vinda do tipo espiritual, místico ou moral, mas duma vinda com poder e majestade, para o Juízo final (como disse, corresponde a um artigo da fé professada no «Credo»). A nuvem é uma imagem cheia de grandiosidade, própria do estilo apocalíptico, que contém uma clara referência a Daniel 7, 13; é a partir desta passagem profética que Jesus adopta o título (talvez a partir da figura de linguagem chamada asteísmo), ao mesmo tempo glorioso e humilde, de Filho do Homem (cf. Bento XVI, Jesus de Nazaré, pp. 398-413). A nuvem, que ao mesmo tempo tem a propriedade de revelar e de esconder, acompanha frequentemente as teofanias (Gn 9, 13s; Jz 5, 4s; Job 38, 1; Ez 1, 4.28; Mc 9, 7) e algumas vezes aparece como o carro de Yahwéh (ls 19,1; Salm 10, 3).

Sugestões para a homilia

Um novo ano litúrgico

Haverá alguém que nos possa dar a paz?

Abrir o coração à esperança

Um novo ano litúrgico

1. Iniciamos hoje um novo litúrgico – o Ano C – onde predomina a leitura do Evangelho segundo S. Lucas. E todo o ano litúrgico começa sempre com o tempo do Advento, quatro semanas de preparação para essa grande festa, esse dia jubiloso do Natal, o nascimento do Deus-Menino.

O Advento prepara-nos, de facto, para o encontro com Aquele que já veio e há-de vir novamente no final dos tempos. É dessa última vinda que nos fala o texto evangélico.

Haverá alguém que nos possa dar a paz?

2. Perante as expressões dramáticas do Evangelho de hoje, pode-se pensar que Jesus esteja a dar algumas informações acerca do fim do mundo. É assim que o texto foi muitas vezes interpretado.

Mas se o objectivo de Jesus era meter medo, então não teve sucesso, até porque o anúncio do fim do mundo atemoriza cada vez menos. Contudo, Jesus não pretende assustar, mas obter exactamente o contrário. Ele quer libertar do medo, suscitar alegria, infundir esperança. Não quer ameaçar cataclismos, mas anuncia um acontecimento feliz.

As imagens apocalípticas usadas por Jesus não se referem a explosões de astros, a grandes catástrofes, mas falam do que acontece nos dias de hoje. É no nosso mundo que se torna impossível viver: cometem-se abusos e injustiças, existem ódios, violências, guerras, condições desumanas, a própria natureza é destruída pela exploração sem medida dos seus recursos, e até mesmo os ritmos dos tempos e das estações deixaram de ser regulares.

E isto aplica-se à nossa vida pessoal. Quantas pessoas vemos que caminham «curvadas», oprimidas pela dor, encolhidas pelo medo. Não têm a força para erguer a cabeça porque perderam toda a esperança: a esposa abandonada pelo marido, os pais desiludidos pelas escolhas dos filhos, o trabalhador arruinado pela inveja dos colegas, as pessoas vítimas do ódio e da violência…

Quantas vezes medos, desilusões, remorsos, experiências infelizes tornam-nos incapazes de sorrir. Será ainda possível recuperar a confiança em nós próprios e nos outros? Haverá ainda alguém que nos possa dar de novo a serenidade, a confiança e a paz?

Abrir o coração à esperança

3. Não espanta, portanto, que angustiadas, as pessoas perguntam-se: o que irá acontecer? Onde acabaremos? Está a humanidade a caminhar em direcção a uma inevitável catástrofe?

Não – garante Jesus – e é esta a mensagem central do trecho: a humanidade caminha em direcção a uma nova criação. E por isso onde se vislumbram sinais da desordem provocada pelo pecado, aí podemos esperar a vinda do Filho do homem com grande poder e glória.

Por isso Jesus convida a abrir o coração à esperança: o mundo dominado pela injustiça, pela maldade, pelo egoísmo chegou ao fim e já surgiu um mundo novo e maravilhoso.

Este mundo novo nasce no próprio instante em que se permite a Deus que realize o seu Advento na nossa vida. Este mundo novo começa quando abrimos, quando escancaramos as portas dos nossos corações a Jesus que vem. Este mundo novo nasce quando reconhecemos Cristo no outro e nos  dispomos a partilhar e a acolher os que se encontram em dificuldade, dando prioridade a todos os que Jesus privilegiou.

É, pois, o caminho da caridade a via-mestra para ir ao encontro do Senhor que há-de vir, para saborear já nesta terra o mundo novo e maravilhoso que o Senhor hoje nos oferece.

Fala o Santo Padre

[…] No Advento a liturgia repete-nos com frequência e garante-nos, quase que a vencer a nossa natural desconfiança, que Deus «vem»: vem para estar connosco, em qualquer situação; vem para habitar no meio de nós, para viver connosco e em nós; vem preencher as distâncias que nos dividem e nos separam; vem para nos reconciliar com Ele e entre nós. Vem à história da humanidade, bater à porta de cada homem e mulher de boa vontade, para dar aos indivíduos, às famílias e aos povos o dom da fraternidade, da concórdia e da paz. Por isso, o Advento é por excelência o tempo da esperança, no qual os crentes em Cristo são convidados a permanecer em expectativa vigilante e laboriosa, alimentada pela oração e pelo compromisso efectivo do amor. Que o aproximar-se do Natal de Cristo encha os corações de todos os cristãos de alegria, de serenidade e de paz!

Para viver de maneira mais autêntica e frutuosa este período de Advento, a liturgia exorta-nos a olhar para Maria Santíssima, e a encaminharmo-nos idealmente com ela para a Gruta de Belém. Quando Deus bateu à porta da sua jovem vida, ela recebeu-o com fé e com amor. Daqui a alguns dias contemplá-la-emos no mistério luminoso da sua Imaculada Conceição. Deixemo-nos atrair pela sua beleza, reflexo da glória divina, para que «o Deus que há-de vir» encontre em todos um coração bondoso e aberto, que Ele possa encher com os seus dons.

Bento XVI, Vaticano, 3 de Dezembro de 2006

LITURGIA EUCARÍSTICA

ORAÇÃO SOBRE AS OBLATAS: Aceitai, Senhor, estes dons que recebemos da vossa bondade e fazei que os sagrados mistérios que celebramos no tempo presente sejam para nós penhor de salvação eterna. Por Nosso Senhor.

Prefácio do Advento I: p. 453 [586-698]

SANTO

Monição da Comunhão

O Cristo cujo nascimento iremos celebrar no Natal, já está entre nós na Sagrada Comunhão.

Salmo 84, 13

ANTÍFONA DA COMUNHÃO: O Senhor nos dará todos os bens e a nossa terra produzirá o seu fruto.

ORAÇÃO DEPOIS DA COMUNHÃO: Fazei frutificar em nós, Senhor, os mistérios que celebramos, pelos quais, durante a nossa vida na terra, nos ensinais a amar os bens do Céu e a viver para os valores eternos. Por Nosso Senhor.

RITOS FINAIS

Monição final

Na segunda leitura, Paulo lança-nos um forte apelo: «Irmãos, o Senhor vos faça crescer e abundar na caridade uns para com os outros e para com todos». Ao longo da próxima semana, procuremos ir ao encontro de alguém que já não tem força para esperar: esperar um trabalho, esperar uma saúde melhor, esperar uma reconciliação… Que lhe vamos dizer? O Advento é o tempo propício para ajudar a erguer-se de novo, o tempo de voltar a dar gosto à vida que germina.

HOMILIAS FERIAIS

TEMPO DO ADVENTO

1ª SEMANA

2ª Feira, 3-XII: S. André: Seguir o Messias e falar dele a outros.

Rom 10, 9-18 / Mt 4, 18-22

(Jesus) viu dois irmãos, Simão, que é chamado Pedro e seu irmão André.

André foi um dos discípulos de João Baptista. Quando ouviu falar do Messias, apresentou a Jesus o seu irmão Pedro. E foram ambos chamados para seguir o Senhor (Ev). Segundo a Tradição pregou o Evangelho na Grécia e morreu crucificado.

Neste começo do Advento estamos igualmente a ouvir falar do Messias. Como André, não deixemos de escutar o chamamento do Senhor para que o sigamos mais de perto. E também procurar transmitir esta mesma notícia a familiares e amigos: «A voz deles propagou-se por toda a terra, e as suas palavras, até aos confins do mundo» (Leit).

3ª Feira, 4-XII: A actuação do Espírito Santo.

Is 11, 1-10 / Lc 10, 21-24

Sobre Ele repousará o Espírito do Senhor: espírito de sabedoria e de inteligência, espírito de conselho e de fortaleza.

O profeta Isaías anuncia a actuação do Espírito Santo no Messias esperado (Leit). E S. Lucas mostra já realizada essa actuação: «Jesus estremeceu de alegria pela acção do Espírito Santo» (Ev).

Esta plenitude do Espírito Santo há-de ser também comunicada a todo o povo messiânico (CIC, 1287). Ele também actuou em Nossa Senhora, daí nascendo o Filho de Deus. O Espírito Santo, Senhor que dá a vida, quer igualmente formar em nós a imagem de Cristo, quer restituir ao homem a ‘semelhança divina’ (CIC, 720).

4ª Feira, 5-XII: O banquete eucarístico e o banquete da vida eterna.

Is 25, 6-10 / Mt 15, 29-37

O Senhor do Universo há-de preparar, para todos os povos, no monte Sião, um banquete de pratos suculentos, um banquete com excelentes vinhos.

Há no mundo uma grande ‘fome de Deus’ e o Messias prepara um grande banquete de pratos suculentos (Leit). E Jesus até materialmente mata a fome a uma grande multidão: «todos comeram e ficaram saciados» (Ev).

Este milagre prefigura a superabundância do pão eucarístico (CIC, 1335) e também o banquete da vida eterna (Oração). Peçamos, como Jesus nos ensinou: «o pão-nosso de cada dia nos dai hoje»; preparemos bem cada celebração eucarística, em que participarmos, através muitas comunhões espirituais.

5ª Feira,6-XII: A nossa vida apoiada em Cristo.

Is 26, 1-6 / Mt 7.21, 24-27

Confiai sempre no Senhor, que o Senhor é uma rocha eterna.

O Messias é apresentado como uma rocha (Leit). E todos somos convidados a edificar a nossa vida sobre a rocha, e não sobre a areia (Ev).

Edificamos a nossa vida apoiados em Cristo quando ouvimos as suas palavras: conselhos sobre os nossos problemas de cada dia, referentes ao trabalho, à família, à construção de uma sociedade mais justa. E, depois, quando as procuramos levar à prática: podemos empenhar-nos cada dia um pouco mais para que a nossa vida esteja mais de acordo com os ensinamentos do Senhor.

6ª Feira, 7-XII: Abrir os olhos à Luz divina.

Is 29, 17-24 / Mt 9, 27-31

Nesse dia, os surdos ouvirão a palavra do livro divino; libertos da escuridão e das trevas, os olhos dos cegos hão-de ver.

O profeta anuncia a realização de grandes prodígios com a vinda do Messias (Leit). E os dois cegos do Evangelho recuperam a visão e reconhecem em Jesus o filho de David messiânico (Ev).

Precisamos estar muito atentos às palavras do Senhor desde o seu nascimento. Abramos os olhos à Luz divina, que se desprende de Cristo. Vejamos as coisas como Deus as vê (a dor, o sofrimento, as contrariedades). Descubramos a presença do Senhor na Eucaristia, nos que nos rodeiam, no trabalho e nas demais ocupações.

Sábado, 8-XII: Como obter mais frutos na nossa vida.

Is 30, 19-21. 23-26 / Mt 9, 35 -10, 1. 6-8

O Senhor dará a chuva para a semente que tiveres lançado à terra, e o pão que a terra produzir será farto e nutritivo.

De acordo com as palavras do profeta, o Messias exercerá a sua misericórdia e haverá uma grande fertilidade (Leit). Jesus manifesta essa misericórdia curando as doenças e proclamando a Boa Nova aos que andavam como ovelhas sem pastor (Ev).

Jesus pede-nos que continuemos a sua missão. Ensinemos os outros a abandonarem a sua vida estéril, cómoda; mostremos-lhes o caminho da felicidade. Acompanhemos o nosso trabalho de evangelização com a oração: «pedi ao dono da seara que mande trabalhadores para a sua seara» (Ev).

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