IV |
Outubro 2020 |
Retiro Mensal
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O SALESIANO, HOMEM DE DEUS
Vida centrada em Cristo
Alimentamos uma profunda vida espiritual, de modo que Jesus Cristo seja sempre o guia da nossa entrega total a Deus, aos irmãos e ao próximo. Temos Dom Bosco como modelo de vida e assumimos a Espiritualidade Salesiana de forma renovada, encarnada e viva.
MOTIVAÇÃO INICIAL
O Papa Francisco deu-nos a nós, Salesianos, um precioso tesouro por ocasião da celebração do CG28: uma mensagem a não perder, e que será oportuno ler na íntegra. Ele não pôde estar presente durante a celebração do CG28, mas nas suas palavras sentimos a sua presença, o seu afeto pela Congregação, e sobretudo o que ele valoriza e o que nos pede, a nós Salesianos, como membros ativos e empenhados no seio da Igreja.
Por este motivo, gostaríamos de utilizar esta mensagem como fonte de inspiração para os retiros comunitários de outubro e novembro. Pretendemos oferecer uma releitura orante dessa mensagem, procurando aplicá-la às nossas vidas. Esperamos que possa servir para cada um de nós, como mais uma ocasião para a nossa conversão espiritual (a Deus), relacional (aos irmãos) e pastoral (ao próximo, sobretudo aos jovens).
Neste primeiro retiro, queremos recuperar do Papa Francisco aquelas mensagens dirigidas a cada salesiano como homem consagrado, um homem de Deus, um homem teológico. Fé, esperança e caridade são dons de Deus através dos quais Ele nos chama a ser Seus como Salesianos. O Papa faz algumas leituras muito concretas de cada um destes três dons, aplicando-os à vida salesiana, ao presente da Congregação, colocados à consideração de cada um de nós.
O SALESIANO, UM HOMEM DE FÉ
Ser cristão é antes de mais ser um crente. Ou seja, aceitar a fé como um dom de Deus, o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo no Espírito Santo. E sabemos que a aceitação do dom da fé não é um assentimento intelectual a uma série de verdades, mas sobretudo uma experiência de encontro pessoal com Ele na humanidade ressuscitada do Senhor Jesus através do Espírito que habita em nós. Também não é uma experiência específica que se faz de uma vez por todas na vida: eu acredito ou não acredito, ponto final. Envolve a pessoa inteira do crente e toda a sua vida, em cada minuto da sua existência. Um crente é alguém que faz um esforço todos os dias, em cada momento, para ler, a partir da presença de Deus na sua vida, cada um dos acontecimentos.
Pois bem, que leitura faz o Papa Francisco desta realidade do salesiano como crente, como homem de fé? Ele fala-nos da necessidade de “cultivar uma atitude contemplativa, capaz de identificar e discernir os pontos nevrálgicos. Isto ajudará a entrar no caminho com o espírito e o contributo próprio dos filhos de Dom Bosco e, como ele, desenvolver uma válida revolução cultural. Esta atitude contemplativa permitir-vos-á superar e ultrapassar as vossas próprias expetativas e os vossos programas. Somos homens e mulheres de fé, o que supõe ser apaixonados por Jesus Cristo”.
Na mais pura tradição salesiana, sempre se falou em ser contemplativo na ação. É disto que se trata. E esta atitude contemplativa pessoal, na esfera comunitária, traduz-se num discernimento orante: a comunidade, reunida em oração e reflexão, com a contribuição de cada um dos irmãos, procura a vontade de Deus no hoje da sua vida e missão.
Para reflexão pessoal
– Em que medida e com que meios alimento na minha vida pessoal essa atitude contemplativa de olhar para as pessoas e situações a partir da vontade de Deus na minha vida?
– Em que medida e em que momentos dou o meu contributo para o discernimento orante da comunidade, para procurar a vontade de Deus na minha comunidade e trabalhar a partir desta atitude de fé?
Oração
Senhor, dizei o que quereis de mim em cada circunstância da minha vida. Ajudai-me a descobrir-Vos presente em todos aqueles com quem estabeleço relações e a tornar-me sinal e testemunha do vosso amor por eles.
O SALESIANO, UM HOMEM DE ESPERANÇA
“Nem pessimista nem otimista, o salesiano do séc. XXI é um homem cheio de esperança porque sabe que o seu centro está no Senhor, capaz de fazer novas todas as coisas (cf. Ap 21,5)”. Isto é o que o Papa Francisco nos diz. Pessimismo e otimismo são expressões do próprio carácter, formas de o ser humano enfrentar a realidade, vendo o seu lado mais negativo e ameaçador, ou o seu lado mais positivo e promissor. Nestas atitudes, o ser humano parte sempre e tem unicamente me conta as suas próprias forças e as possibilidades oferecidas pelo ambiente. E assim sente-se capaz (otimista) ou incapaz (pessimista) de gerir a sua vida e os seus problemas, a partir da consciência de ser o único responsável.
Pois bem, “nem o pessimismo nem o otimismo são dons do Espírito, pois ambos provêm de uma visão autorreferencial capaz de ser medida só com as próprias forças, capacidades ou competências, impedindo de olhar àquilo que o Senhor atua e quer realizar entre nós”. Pelo contrário, a esperança cristã tem outra raiz. Não é uma forma de ser, mas uma dádiva de Deus para o crente. Um dom que o torna consciente de que, para além do voluntarismo humano perante a realidade, existe a graça de Deus e a sua vontade. Existe o seu plano de salvação para cada existência pessoal e para todo o universo. E que, com a Sua graça, e com a sua própria resposta pessoal generosa, as realidades mais difíceis podem ser enfrentadas com esperança; e as melhores perspetivas podem ser vividas com serena alegria. Ao sermos homens de esperança, sentiremos que somos instrumentos da vontade de Deus e confiaremos muito mais, ajudados pela Sua graça, nas nossas possibilidades de bem.
“Só isto nos salvará de viver numa atitude de resignação e sobrevivência defensiva. Só isto tornará fecunda a nossa vida”, continua o Papa Francisco. Porque a resignação e a sobrevivência, por vezes tão frequentes nas nossas vidas, correspondem à atitude pessimista de pensar que não podemos mudar a realidade ou renovar a nossa vida ou a missão das nossas obras face às dificuldades que nos rodeiam. E acabaremos, diz o Santo Padre, por “fixar-nos numa inércia paralisante que priva a vossa missão da parrésia própria dos discípulos do Senhor”. Ou, pelo contrário, “um otimismo cego, capaz de dissolver a força e a novidade evangélica, impedindo aceitar concretamente a complexidade que as situações exigem e a profecia que o Senhor nos convida a levar por diante”. Pelo contrário, “a esperança é capaz de instaurar e inaugurar processos educativos alternativos à cultura imperante” no nosso trabalho, e pode também fazer-nos ultrapassar as nossas rotinas e imobilidade.
“Nem triunfalistas nem alarmistas, homens e mulheres alegres e com esperança, não automatizados mas artesãos”, conclui o Papa. Um salesiano, um homem de esperança, é um artesão! Alguém que, sem renunciar aos grandes programas, sabe como trabalhar e trabalhar na rotina diária, nas pequenas distâncias, nos detalhes concretos. Que está convencido de que Deus está a trabalhar nele e nas pessoas, e sabe agradecer e colaborar com a graça de Deus nele e nos outros, mudar a realidade, tornar presente o Reino de Deus, “testemunhar a beleza da generosidade, do serviço, da pureza, da fortaleza, do perdão, da fidelidade à própria vocação, da oração, da luta pela justiça e o bem comum, do amor aos pobres, da amizade social” (Christus Vivit, 36).
Para reflexão pessoal
– Que traço de carácter prevalece em mim, nas minhas opiniões, nas minhas relações com os outros e com o ambiente? Pessimismo, otimismo… ou esse “realismo” ambíguo? Até que ponto esse traço de carácter me condiciona?
– Tento ser uma pessoa serena, com críticas construtivas e comprometidas, um facilitador, confiante em Deus face às adversidades, falando mais na linguagem com os factos do que com queixa, procurando o que Deus me pede para contribuir para superar as dificuldades?
Oração
Senhor, fazei de mim um instrumento da vossa paz:
Onde houver ódio, que eu leve o amor (…)
Que eu procure mais compreender, do que ser compreendido,
Amar, do que ser amado (…)
Pois é perdoando que se é perdoado,
E é morrendo que se vive para a vida eterna.
O SALESIANO, UM HOMEM DE CARIDADE
O Papa Francisco convida-nos a confrontar-nos com o lema da nossa Congregação: “Da mihi animas, coetera tolle”. Ou seja, com esse duplo lado da moeda, expressão da única “caridade pastoral” que deveria caracterizar a nossa existência.
“Da mihi animas”, recordam-nos as nossas Constituições, é a dedicação à missão juvenil e popular, “caracterizada por aquele dinamismo juvenil que se revelava tão forte no nosso Fundador e nas origens da nossa Sociedade: é um impulso apostólico que nos leva a procurar almas e a servir somente a Deus” (C 10). As mudanças atuais, especialmente no mundo dos jovens, “exigem-nos uma dupla docilidade: docilidade aos jovens e às suas exigências e docilidade ao Espírito e a tudo aquilo que Ele deseja transformar”.
O Papa diz-nos que ” tanto o nosso presente como o nosso futuro estão impregnados desta força apostólico-carismática chamada a continuar a permear a vida de tantos jovens abandonados e em perigo, pobres e necessitados, excluídos e descartados, privados dos seus direitos, de casa…”.
O “coetera tolle”, do ponto de vista da nossa conversão pessoal a Deus e do cuidado pastoral dos jovens, implica a superação diária de tudo o que bloqueia o nosso ardor apostólico, e que o próprio Papa Francisco nos repetiu a partir da Evangelii Gaudium: rotina, com a sua dinâmica de mera conservação ou de consciência de derrota e desencanto face à dificuldade da tarefa educativo-pastoral; a auto-referencialidade que nos faz procurar os nossos próprios interesses e assegurar uma vida confortável face às nossas necessidades, perdendo o nosso compromisso missionário; ou o nosso próprio ativismo, com a ânsia de fazer as coisas sem motivação adequada, produzindo um cansaço tenso e pesado que nos deixa vazios por dentro.
E o que é que o “coetera tolle” implica do ponto de vista estrutural nas nossas comunidades e na nossa presença? O Papa Francisco diz-nos que implica ultrapassar e abandonar ” aquilo que durante o caminho se foi incorporando e perpetuando e que, ainda que noutro tempo tivesse sido uma resposta adequada, hoje vos impede de configurar e plasmar a presença salesiana de maneira evangelicamente significativa nas diversas situações da missão. Isto pede, da nossa parte, superar os medos e as apreensões que podem surgir por ter acreditado que o carisma se reduzisse ou identificasse com determinadas obras ou estruturas. Viver fielmente o carisma é qualquer coisa mais rica e estimulante que o simples abandono, remedeio ou readaptação das casas ou das atividades”.
Para reflexão pessoal
– Da mihi animas: Com que impulso e paixão apostólica vivo a minha participação na missão da minha Presença Salesiana? Para que pessoas (membros da comunidade, jovens, famílias…) estou a ser um ponto de referência com a minha vida crente e salesiana?
– Coetera tolle: Que rotinas e abordagens pessoais à vida estão a dificultar e a limitar a minha total dedicação aos irmãos da comunidade e aos jovens? O que descubro que tenho de deixar para trás para viver mais autenticamente?
Oração
Convertei-me, Senhor, e eu converter-me-ei a Vós. Dai-me a força de que preciso para romper com tudo o que paralisa a minha entrega total. Que eu seja mais de Vós, mais dos irmãos, mais dos jovens.
CONVIDADOS A SONHAR
É significativo que o Papa termine as suas palavras convidando-nos a sonhar: “Sonhai… e fazei sonhar!” Tantas vezes ouvimos e dissemos que somos filhos de um sonhador. O Santo Padre tem enorme admiração por S. José, a quem Deus, como a Dom Bosco, indicou a sua vontade através de sonhos. A Igreja pede-nos, como salesianos, que sonhemos, e que sonhemos em grande. Conscientes de que o Senhor nos pede que façamos algo de novo. Que “algo novo está a surgir” quando cada um de nós é capaz de sonhar de forma diferente, algo mais de Deus, dos jovens, dos irmãos. Quando acreditamos que Deus é capaz de nos mudar e de nos converter se nós deixarmos, se colaborarmos um pouco com Ele, que nos dá a sua graça. Sonhemos como homens renovados por Deus, sempre crescendo, em novidade de vida! Sonhemos, que “o resto, nos será dado por acréscimo”!
Texto adaptado da proposta de Samuel Segura, SDB
Outubro 2020