XIII Semana do Tempo Comum – Ano A (22/27 de Junho

Segunda-feira

Mt 7,1-5: Não julgueis e não sereis julgados.

O cisco 110 olho alheio

  1. Não condenar os outros. A partir do capítulo 7 de Mateus, que hoje começamos, o discurso da montanha parece tomar uma nova di­recção, orientado mais em particular para os discípulos, isto é, para os membros da comunidade cristã de Mateus e de todos os tempos. “Não julgueis e não vos julgarão… A medida que usardes usá-la-ão .. Como podes dizer ao teu irmão: ‘Deixa-me tirar o cisco do teu olho’, tendo uma trave no teu?”.

O contraste exagerado entre o cisco no olho alheio e a trave no próprio pode reflectir um provérbio popular de então, pois a rápida observação das faltas dos outros, em contraste com a tolerância para as falhas do próprio carácter, é tema comum em muitos adágios de todas as culturas e idiomas.

Com a lição do evangelho de hoje Jesus pretende chamar a atenção dos seus discípulos para um perigo que os ronda: Constituirem-se em elite, crerem-se superiores e separarem-se dos outros, como os fariseus. Isso é o significado de fariseu: separado.

O sentido que tem aqui o verbo “julgar” não é simplesmente fazer- -se uma opinião, algo que dificilmente poderemos evitar, mas julgar duramente, ou seja, condenar os outros, como se diz na passagem paralela de Lucas: “Não julgueis e não sereis julgados; não condeneis e não sereis condenados; perdoai e sereis perdoados” (6,37).

  1. Três razões para não condenar. Não devemos julgar e con­denar os outros por muitas razões, entre outras por estas três:

1a – O julgamento pertence a Deus e não a nós, porque só Deus conhece a fundo o coração do homem. Constituir-se em juiz dos ou­tros é uma ousadia irresponsável. Deus aceita-nos e ama todos tal como somos, e olha-nos com amor de Pai que dissimula as faltas dos seus filhos, a quem vê através do seu próprio Filho, Cristo.

Se anteriormente, ao longo do discurso da montanha, Jesus falou do perdão das ofensas e do amor inclusivamente ao inimigo, para ten­tar aproximar-nos ao menos um pouco da perfeição de Deus, agora está apontando à imitação da sua misericórdia. Como diz o livro da Sahedoria, Deus compadece-se de todos e corrige os que caem para que se convertam e acreditem n’Ele (1 l,23ss).

2a – A medida que usarmos com os outros usá-la-ão connosco. Isso

 

não quer dizer que Deus – a quem não se menciona no texto por res­peito – nos julgará com a nossa medida injusta e impiedosa. Esse não é o seu modo de proceder. Mas certamente quem age assim com os outros expõe-se a um julgamento mais severo para si mesmo.

Deus teria, digamos, duas medidas para o seu julgamento: uma de justiça, outra de misericórdia. Ele medir-nos-á com aquela que nós utilizarmos com os irmãos. E a mesma lição da parábola do devedor insolvente que é perdoado e não perdoa, ou a contida na petição do Pai nosso: Perdoa as nossas ofensas… O que condena o irmão auto- -exclui-se do perdão de Deus e cai sob a jurisdição da lei, que não deixará de o acusar e condenar como imperfeito que é.

3a – Todos somos imperfeitos, tanto e mais que os outros, ainda que, julgando-os com superioridade, os desprezemos. Tal atitude, des­provida de amor, provém da nossa própria cegueira que nos impede de ver os nossos defeitos. Manter conscientemente tal postura é hipocrisia astuta, cujo modelo no evangelho são escribas e fariseus.

É muito velho o costume de criticar os outros; assim pensamos jus- tificar-nos a nós como melhores. Mas a experiência demonstra que os mais críticos, os que julgam ser perfeitos, saber tudo e ter a melhor solução para qualquer problema, costumam ser os que menos fazem e levam aos outros.

Um olhar ao espelho, uma vista de olhos à nossa pequenez e insig­nificância, à nossa “trave” no olho, minimizará sem dúvida as falhas dos outros e far-nos-á mais tolerantes e acolhedores, pensando que os outros também têm que suportar-nos a nós. Conhecer as nossas pró­prias limitações, admiti-las e aceitá-las ensinar-nos-á a saber estar e viver com os outros. Assim caminharemos em verdade e simplicidade, com ânimo de companheirismo, tolerância e compreensão para com os outros sem os condenar.

Se Deus é optimista a respeito do homem e o ama apesar de tudo, o discípiulo de Cristo há-de ser o mesmo em relação aos seus irmãos. Este é um caminho mais seguro para a realização e a felicidade pes­soal do que o engano da presunção.

Bendito sejas, Senlior Jesus. Tu nos disseste:

Não condeneis os outros e não sereis condenados.

Felizes os misericordiosos que desculpam, compreendem e aceitam o irmão tal como é, porque assim c o proceder de Deus connosco.

Cura-nos radicalmente da nossa hipocrisia

que vê o cisco do próximo e dissimula a trave própria.

Dá-nos, Senhor, olhos puros para ver o bem, isto é, a tua imagem, no rosto do irmão, para acreditar nos outros e para amar a vida com um coração grande como o teu. Amen.

Terça

Alt 7,6.12-14: Várias máximas de Jesus.

A porta para a vida

  1. Três máximas de Jesus. O texto evangélico de hoje reúne três máximas independentes de Jesus sobre as coisas santas, a regra de ouro e a porta estreita.
  2. “ – Não profanar as coisas santas: “Não deis aos cães o que é santo, nem atireis as vossas pérolas aos porcos; pisá-las-iam e logo se voltariam para vos despedaçar”. Talvez Jesus esteja a repetir um adá­gio O cão e o porco eram animais impuros para os judeus. As coisas santas podem ser os alimentos santificados pelo culto, ou a doutrina do evangelho e do Reino. É difícil precisar quem são essas pessoas não merecedoras das coisas santas; pode referir-se aos judeus hostis, como escribas e fariseus, ou, menos provavelmente, aos pagãos.

2.3 – Rcqra de ouro, assim chamada porque resume todo o ensina­mento moral da lei no amor que procura o bem do próximo como o próprio: “Tratai os outros como quereis que eles vos tratem; nisto consiste a lei e os profetas”. É uma norma que tem paralelo tanto no judaísmo como nas antigas literaturas. A mais conhecida é a sua forma negativa, atribuída ao rabino Hilel (20 a.C.): “Não faças a outro o que não queres para ti. Isto é a lei; o resto é comentário”.

  1. a – Porta estreita que leva a vida: “Entrai pela porta estreita. Larga é a porta e espaçoso o caminho que leva à perdição, e muitos entram por eles. Que estreita é a porta e que apertado o caminho que leva à vida! E poucos os encontram”. Em Lucas esta máxima é a res­posta de Jesus a uma pergunta que lhe é feita sobre se são poucos os que se salvarão (13,23). Pergunta que está ausente em Mateus para manter a continuidade artificial do discurso da montanha. A máxima reflecte a conhecida doutrina bíblica e sapiencial dos dois caminhos, que se repete na literatura apostólica, por exemplo na Didaché.

Alguns autores dão a esta máxima um valor ético: Entrar pela porta certa é produzir frutos, cumprindo a vontade do Pai mediante a prática da palavra de Jesus. Outros preferem uma interpretação mais directa­mente cristológica: É “um chamamento para seguir Cristo, particular­mente Cristo sofredor, com todas as consequências morais e espiri­tuais que esta obediência encerra. Esta interpretação está avalizada por todo o conjunto do evangelho no que tem de mais essencial: as chamadas ao arrependimento, à fé, a seguir Cristo” (P. Bonnard).

  1. A porta para a vida. Trata-se, pois, do caminho da cruz que conduz à porta apertada que dá passagem para a vida no reino de Deus. O proprio Jesus e essa porta para a vida: “Eu sou a porta; quem entrar por mim será saho” (Jo 10,9).

Perante a permissividade socio-moral de hoje em dia, a “porta es­treita” de Jesus não é mpralismo intransigente, mas responsabilidade e lucidez dos que se esforçam por ser fiéis a Deus e aos princípios evangélicos: solidariedade, fraternidade e serviço ao irmão, em vez de egoísmo, agressividade e violência; controlo do consumismo em vez de idolatria do dinheiro e dos bens materiais; assimilação, enfim, do programa de santidade que Cristo expõe no discurso da montanha, cuja cobertura são as bem-aventuranças e cujo fundamento e moti­vação é a santidade de Deus a quem servimos: Sede perfeitos como o vosso Pai celestial é perfeito.

A chamada de Deus à santidade é para todos; vocação comum, em­bora diferenciada; universal, mas piuralista. Tender para a santidade cristã não é algo facultativo e opcional, reservado somente a alguns que consagram a sua vida a Deus e constituiriam uma classe aris­tocrática ou elite de cristãos de primeira categoria frente à grande massa de plebeus. Não; todo o discípulo de Cristo, e cada um segundo o seu estado, situação e carisma próprio, é chamado ã santidade em qualquer condição social e laborai: no matrimónio e na família, na vida consagrada, no trabalho de casa e do escritório, no hospital e no ensino, na oficina e 110 campo, por trás de um balcão, de um postigo ou de um volante.

E que fazer para sermos cristãos santos? Nada de espectacular: amar, servir e glorificar a Deus em todas as circunstâncias da vida, e amar os nossos irmãos como a nós mesmos. Nisso se resume toda a lei de Cristo, de que ele foi o exemplo mais perfeito, o caminho e a porta para a vida do Reino.

Obrigado, Pai nosso, porque nos destinaste a ser imagem de Jesus Cristo, teu Filho, de modo que ele é o primogénito entre muitos irmãos.

Ele é também a porta de entrada para a vida.

Faz-nos entender, Senhor, que a sua passagem estreita não é moralismo intransigente, mas libertação necessária antes que seja tarde e se feche a porta do Reino.

Concede-nos, Pai, responder à tua chamada: à nossa vocação cristã para a fidelidade plena.

Que o teu Espírito venha em ajuda da nossa debilidade, pedindo para nós o que nos convém. Amen.

Quarta-feira

Mt 7,15-20: Pelos seus frutos os conhecereis.

Pelo fruto se conhece a áivore

  1. Os falsos profetas. Partindo do aviso sobre os falsos profetas que se aproximam disfarçados de ovelhas, mas por dentro são lobos ferozes, Jesus remete-se às suas obras para os conhecer, tal como as árvores se conhecem pelos seus frutos. “As árvores sãs dão frutos sãos; as árvores más dão frutos maus”. Mediante este processo indu­tivo e experimental, Jesus previne contra o engano dos falsos profe­tas, pastores e doutores que pretendem falar à comunidade em nome de Deus. Embora a sua linguagem seja suave e mansa, o seu interior é egoísmo sem escrúpulos.

Como conhecê-los? Pela sua conduta, pelas suas obras; estas de­nunciam as suas verdadeiras intenções, como o fruto relativamente à árvore. Aviso e lição que são extensivos a todos os falsos discípulos de Jesus, os falsos irmãos, como se vê na passagem paralela de Lucas, em que Cristo se refere a todo o seu seguidor. Se bem que em Lucas os frutos, que em Mateus significam as obras, apontam para as palavras que brotam do coração: “O que tira do coração fala-o a boca” (Lc 6,45).

“A árvore que não dá boin fruto corta-se e lança-se ao fogo”. Esta consideração sobre o destino da árvqra má, imagem do falso profeta, liga com a pregação de João Baptista. Este denunciou o disfarce dos fariseus e saduceus: fingindo conversão diante do povo, que venerava o profeta autêntico que era João, acorriam ao seu baptismo sem von­tade de se emendarem. “Raça de víboras, quem vos ensinou a fugir da ira iminente? Dai o fruto que a conversão exige. O machado já está posto à raiz das árvores, e a árvore que não dá bom fruto será cortada e lançada ao fogo” (Mt 3,7s).

O tema dos falsos profetas teve muita importância nas primeiras co­munidades cristãs, como vemos pelos escritos de então; e continua tendo hoje em dia. Como distinguir o verdadeiro profeta, o santo, o carismático? O critério evangélico de hoje será sempre de permanente actualidade e avalizado pela experiência: o fruto que produzem com a sua pessoa, palavra e conduta. S. Paulo, depois de enumerar exausti­vamente as obras da carne, apresenta uma lista de nove frutos do Es­pírito de Deus: amor, alegria e paz, compreensão, serviço e bondade, lealdade, amabilidade e domínio de si (G1 5,22).

  1. Os frutos do coração. Temos de ir à raiz e ao fruto da árvore para não andarmos pela rama; isto é, temos de descer ao fundo do nosso coração para descobrir a sua maldade ou a sua bondade, a sua mentira ou a sua verdade, a sua esterilidade ou a sua fecundidade. Porque nem tudo o que brilha é ouro.

E quais são os frutos pelos quais se conhece o discípulo de Jesus? Os que assinala o discurso da montanha que vimos meditando nestes dias: a prática das bem-aventuranças, o perdão e o amor a todos, in­cluindo o inimigo, o dar sem pedir nem esperar nada em troca, a es­mola, o desprendimento, a oração, o não julgar e condenar os outros constituindo-nos em guias improvisados, censores moralizantes e fis­cais rigorosos dos outros sem ter convertido o próprio coração ou, pelo menos, tentar uma melhoria.

O autêntico discípulo de Jesus, o que é cristão e profeta de verdade, o que se sabe incorporado em Cristo pelo baptismo e pela obediência da fé, não deixará de produzir frutos maduros porque não poderá deixar de pensar, falar e actuar como Jesus. Mas da árvore doente e do coração que é um baldio agreste não podem sair senão frutos maus, palavras e acções estéreis; porque o que trazemos dentro é o que dei­xamos transparecer e produzimos.

Por isso, infelizmente, na palavra e actuação de tantos cristãos de número transvasa-se também o vazio interior e a imaturidade reli­giosa, evidentes nos seus critérios infantis e egoístas, nas suas críticas destrutivas, azedas e intolerantes, assim como no seu comportamento farisaico que os induz ao “cumpro-e-minto”, ou ainda a constituirem- -se em falsos profetas, guias cegos de outros cegos.

Necessitamos de um processo prévio de interiorização para que a qualidade e a força da seiva evengélica se note nos nossos frutos diários. Mas como, sem oração nem contacto com Deus, sem expe­riência do seu mistério, sem escuta e assimilação da sua palavra, sem diálogo pessoal com ele no silêncio do nosso coração?

Louvamos-te, Pai, porque Jesus nos ensinou a conhecer a fundo o nosso coração pelos seus frutos, pois o que temos dentro é o que deixamos transparecer: maldade ou bondade, mentira ou verdade, egoísmo ou amor.

Não permitas que o vazio interior do coração converta a nossa vida num árido baldio.

Que a seiva do teu Espírito dê fruto em nós mediante a prática das bem-aventuranças e a escuta da tua palavra em oração e silêncio.

Porque é no teu amor, Senhor, e na tua graça que a nossa casa tem alicerce e consistência.

 

Alt 7,21-29: A casa sobre rocha ou sobre areia.

Obras são amores

  1. Passe de entrada para o reino de Deus. O evangelho deste dia conclui o discurso da montanha, que vimos lendo desde segunda-feira da décima semana. Hoje Jesus aponta uma condição indispensável para entrar no Reino: cumprir a vontade de Deus. Este é o aval de pertença pelo qual ele nos reconhece como filhos seus e discípulos de Jesus. Não basta confessar Cristo, somente de palavra, como Senhor glorioso e ressuscitado de entre os mortos; há que juntar o cumprimento da vontade do Pai. Só assim a nossa justiça, santidade e fidelidade serão maiores que as dos escribas e fariseus, como Jesus desejava.

Para ilustrar a necessidade desta fé prática, a fé que nos salva, a fé que actua pela caridade (G1 5,6), Jesus expõe a parábola das duas casas, construídas uma sobre rocha e outra sobre areia. O verdadeiro discípulo de Cristo é o homem sábio que edifica sobre rocha, e o falso é o homem néscio que constrói a sua casa sobre areia movediça. O primeiro escuta e cumpre a palavra do Senhor; o segundo escuta-a mas não a põe em prática. Daí a sua ruína e desqualificação, porque a fé sem obras é estéril; mais ainda, está morta (Tg 2,17.20). “Obras são amores, e não boas razões”, reza o provérbio.

O “guardar os mandamentos” dos antigos catecismos continua em vigor, mas enriquecido com um maior substrato bíblico. Deus nunca começa exigindo, mas dando. O imperativo cristão funda-se no in­dicativo do dom de Deus, que nos torna seus filhos, homens e mulhe­res novos pelo baptismo em Cristo morto e ressuscitado. O primeiro é sempre o amor de Deus; depois, logicamente, torna-se urgente uma resposta pessoal mediante a conversão do coração e a fidelidade quo­tidiana ao Senhor.

Desta maneira uniremos fé e obras, crenças e condutas, e evitare­mos um escolho frequente, causa de desprestígio e antitestemunho cristão: o divórcio entre fé e vida por parte dos que se confessam crentes e praticantes.

  1. O exemplo de Cristo, para evitar enganos. Cumprir a vontade de Deus supõe conhecer o querer divino. Onde encontrar um guia se­guro que nos livre de ilusões e subjectivismos? Na pessoa e conduta de Jesus de Nazaré, que pôde afirmar: O meu alimento é fazer a vontade do Pai que me enviou (Jo 4,34). E no momento da prova suprema, na sua paixão, repetia: Pai, não se faça a minha vontade, mas a tua (Lc 22,42). Portanto, seguindo o exemplo de Cristo, acertaremos. Ele falou e actuou com autoridade.

No discurso da montanha que vimos em fragmentos diários, achamos um excelente resumo do seu pensamento e das atitudes bási­cas de quem se propõe ser seu discípulo. Assimilando o espírito das bem-aventuranças, o cristão deve ser luz do mundo e sal da terra, deve ter fome da nova justiça do reino de Deus, deve ser capaz de per­doar amando todos, inclusivamente o inimigo, e deve servir a Deus e não ao dinheiro. Assim cumpriremos seguramente a vontade divina.

A palavra de Deus é eficaz como a chuva e a neve, e penetrante como espada de dois gumes. Por isso a palavra de Deus pede uma resposta nossa; mais ainda, lê o fundo do nosso coração e julga-nos. Uma medi­tação diária e amorosa da palavra convertê-la-á em eixo da nossa vida cristã e em elemento constitutivo e nuclear da nossa estrutura pessoal.

Temos uma certa tendência para suavizar as afirmações categóricas de Jesus, qualificando-as de radicalismo verbal ou literário. Uma delas é a do evangelho de hoje: “Nem todo aquele que me diz ‘Senhor, Se­nhor’ entrará no Reino dos céus, inas o que cumpre a vontade de meu Pai que está nos céus”. Pode alguém inclusivamente realizar milagres em nome de Cristo e não ser reconhecido por ele como seu; porque não são os lábios, inas o coração, a vontade e as obras que contam para conseguir o passe de entrada no reino de Deus.

Não podemos hoje pôr de lado as sérias interrogações que nos coloca a palavra de Jesus: A que classe de cristãos pertencemos? Somos a casa sobre rocha ou sobre areia? Amar a Deus e os irmãos é o quadro completo da vontade divina sobre cada um de nós, que que­remos construir solidamente sobre a rocha e pedra angular que é Cristo.

A tua palavra, Senhor, é eficaz e julga-nos.

Bem-aventurado o que a escuta e a cumpre!

Será casa edificada sobre rocha, árvore junto do açude.

Pois a tua lei, Senhor, é peifeita e é descanso da alma; o teu preceito é sempre fiel e instrui o ignorante, os teus mandatos são rectos e alegram o nosso caminho, a tua norma é límpida e dá luz aos olhos do cego.

Os teus mandamentos, Senhor, são inteiramente justos, mais preciosos que o ouro, mais doces que o mel.

Por isso a tua lei é a minha herança, a alegria da minha vida.

Inclina o meu coração para cumprir cabalmente a tua vontade.

Amen.

 

Sexta-feira

Mt 8,1-4: Se queres, podes limpar-me.

Os milagres da fé

  1. Um diálogo de fé. O evangelista Mateus, depois de apresentar Jesus como doutor e novo legislador no discurso da montanha (cc. 5- 7), mostra-o como curador numa série narrativa de dez milagres, agrupados por tríades que se concluem com uma passagem doutrinal (cc. 8-9). Assim completa a imagem de Cristo, profeta e homem de Deus, poderoso em obras e palavras.

O evangelho de hoje relata o primeiro milagre da primeira tríade: cura de um leproso. A cena tem lugar “ao descer Jesus da montanha”. Apro­ximou-se dele o leproso e disse-lhe: Senhor, se queres podes purificar- me. Jesus estendeu a mão e tocou-o, dizendo: Quero. Fica purificado! E imediatamente ficou curado da lepra (cf Mc l,40ss; Lc 5,12ss).

Importa destacar que a cura é precedida de um breve diálogo que expressa a fé do agraciado. O leproso, de joelhos diante de Jesus, chama-o “Senhor”, título que a primitiva comunidade cristã deu a Cristo ressuscitado. A fé pascal transvasou-se para a redacção evan­gélica, posterior aos factos narrados. Mas a fé do doente é evidente: Se queres, podes limpar-me. Isto demonstra-nos, uma vez mais, que a fé era condição indispensável para os milagres de Jesus, sobre os quais reflectimos noutra ocasião sob a perspectiva libertadora de Deus (ver quarta-feira da vigésima segunda semana).

  1. Condição prévia. Os milagres, mais que apoiar a fé em Cristo, brotavam da fé prévia nele. Era a fé dos que lhe suplicavam e confia­vam no poder de um homem de Deus que suscitava a intervenção ex­traordinária da energia divina que residia na pessoa, palavra e gestos de Jesus de Nazaré. Contudo, também é certo que, num segundo mo­mento, o milagre vinha confirmar e afiançar essa fé inicial, como anota o evangelista João depois de relatar a conversão da água em vinho nas bodas de Caná: “Jesus manifestou a sua glória e cresceu a fé dos seus discípulos nele” (2,11).

A tal ponto a fé era pressuposto essencial e condição indispensável para os milagres, que onde Jesus não encontrava fé, como sucedeu com os seus conterrâneos de Nazaré, “não podia” fazer nenhum milagre (Mc 6,5). Uma e outra vez Cristo repete às pessoas agraciadas por ele com um favor prodigioso: A tua fé te curou, a tua fé te salvou. O apóstolo Pedro foi capaz de caminhar sobre as ondas encrespadas do mar da

 

Galileia enquanto durou a fé; quando duvidou, começou a afundar-se. Em certa ocasião em que os discípulos tentaram curar um endemoninha­do epiléptico sem o conseguirem, Jesus atribui-o à sua falta de fé, que se tivesse sido como um grão de mostarda teria bastado (Mt 17,19ss).

A fé que Cristo requeria como premissa para os seus milagres era uma fé, pelo menos inicial, na sua pessoa como messias enviado por Deus; definitivamente, fé no poder salvador de Deus. Pois os milagres estavam em relação directa com a salvação proclamada pela boa nova do reino de Deus, presente na pessoa e no anúncio de Jesus. Daí a ne­cessidade da fé nele.

  1. Milagres e libertação huniana. Cada milagre de Cristo procla­ma que ele é fonte de vida, esperança e libertação para o homem; por­que o significado mais profundo dos milagres de Jesus radica no seu mistério pascal, na sua vitória sobre a morte por meio da sua ressur­reição, que é o maior dos seus milagres.

Próximo da morte, João Baptista interrogou Jesus sobre a sua iden­tidade messiânica. Cristo respondeu remetendo-se à sua pregação e milagres: “Os cegos vêem e os inválidos andam, os leprosos ficam limpos e os surdos ouvem, os mortos ressuscitam e aos pobres é anun­ciada a boa nova” (Mt 1 l,4s). Notemos que o anúncio do evangelho vai unido e equiparado às curas. Jesus tornava assim efectivo o pro­grama messiânico de libertação integral do homem que foi traçado na sinagoga de Nazaré, e uniu assim indissoluvelmente evangelização e libertação humana, como sinais ambos da presença e eficácia sal­vadora do reino de Deus na sua pessoa.

Tal exemplo libertador assinala-nos um caminho de compromisso cristão com a libertação da dor dos nossos semelhantes em qualquer das suas manifestações: doença e fome, miséria e ignorância, opressão e escravidão. Por que outro meio, senão este, pode o mundo de hoje captar a presença de Cristo e a acção libertadora do seu evangelho entre os homens, nossos irmãos?

Obrigado, Pai, porque Jesus, curando os leprosos, mostrou-nos que o amor não marginaliza ninguém, antes regenera a pessoa, restabelecendo-a na sua dignidade.

Cada cura de Cristo fala-nos do seu coração sensível e confirma-nos na chegada do teu Reino e do teu amor.

Obrigado também por tantos homens e mulheres entregues à fascinante tarefa de amar os seus irmãos e libertar os pobres e marginalizados da sociedade: famintos, doentes, idosos, presos, exilados…

Sacia a sua fome de justiça e dá êxito ao seu empenho; e a nós impele-nos a seguir o exemplo de Jesus, ser\’indo a Cristo nos nossos irmãos mais abandonados.

 

             

         SÁBADO

Mt 8,15-17: Em Israel não encontrei tanta fé.

Carregou com as nossas doenças

  1. Uma porta que se abre. Se ontem Jesus curava um leproso judeu, hoje é um centurião romano, um não judeu, um pagão, mais ainda, um membro do exército estrangeiro de ocupação, quem benefi cia da vida que brota de Cristo. Tudo graças à fé e à humildade do su­plicante; a ponto de Jesus comentar: Em verdade vos digo que em Is­rael não encontrei em ninguém tanta fé.

O elogio desta fé do centurião, que é proveitosamente confrontada com a incredulidade do povo eleito, encerra um valor intencional que aponta para a abertura do evangelho aos não judeus. Assim, o evan­gelista Mateus, que escreve para judeo-cristãos, declara aberta a porta do Reino aos pagãos. Ponto importante na vida da primeira comu­nidade cristã, de origem judaica na sua maioria, que devia abrir o evangelho aos não judeus, como fez Cristo com o centurião romano. Igualmente a Igreja de hoje deve ser lugar aberto a todos e sinal de es­perança e salvação para todo o homem e mulher hoje em dia. Assim se cumprirá a predição de Cristo: Virão muitos do oriente e do oci­dente e sentar-se-ão com Abraão, Isaac e Jacob no Reino dos céus.

No relato de Mateus o centurião acorre em pessoa a falar com Jesus; no de Lucas, porém, fá-lo por meio de legados (7, lss). Mas em ambos os casos a mesma fé e confiança, a mesma humildade – quem sou eu para que entres debaixo do meu tecto? -, a mesma cura à dis­tância. Este último pormenor não é algo habitual nos evangelhos. Jesus costumava curar na presença do doente, unindo a sua palavra ao contacto físico que transmitia o poder divino que dele emanava. Mas aqui a fé imensa do suplicante – tal como a da mulher cananeia, ambos pagãos (Mt 7,21 ss) – consegue um milagre totalmente extraordinário. Fundiu-se assim a eficácia da fé suplicante e da palavra toda poderosa.

  1. A humildade é pressuposto para a fé. Temos de dar uma margem de confiança a Deus, confiar em Jesus Cristo, que é a sua Palavra pessoal, e aceitar o claro-escuro da fé sem ceder à psicose de segurança palpável, que é sempre propícia aos mecanismos da magia e da superstição religiosas. Porque se torna tão difícil ao homem de hoje o acreditar, confiando em Deus e entregando-se incondicional­mente a Ele? Não pode haver fé verdadeira sem uma profunda humil­dade. O centuriãode Cafarnaum é modelo de ambas as virtudes. Todos

 

os grandes crentes e santos da história foram profundamente humildes diante de Deus e dos outros.

A nossa atitude lógica, realista e consequente diante de Deus deve ser a do soldado romano. Senhor, eu não sou digno. Assim rezava também o publicano da parábola: Senhor, tem compaixão de mim. Esta atitude é que nos merece o favor de Deus, pois o seu amor e sal­vação são sempre gratuitos e não se devem aos nossos méritos. A re­flexão de Jesus: “Nem em Israel encontrei tanta fé”, é um aviso, se não uma acusação, para aqueles que são cristãos desde sempre.

De pouco nos serviria repetir as palavras do centurião em cada eu­caristia antes de comungar, se não copiamos a sua disposição anímica: fé impregnada de humildade. Fé e humildade são duas virtudes que andam unidas. O que cré no Deus santo, quando se vê a si mesmo pecador e mesquinho, não pode deixar de exclamar com sinceridade: Senhor, eu não sou digno!

  1. O servo paciente. O evangelho de hoje, depois de dar nota da cura do criado do centurião romano e da sogra do apóstolo Pedro, anota sumariamente uma grande quantidade de curas de doentes por Jesus. E conclui: “Assim se cumpriu o que disse o profeta Isaías: Ele tomou as nossas doenças e carregou com as nossas enfermidades”. Alusão evidente ao servo paciente do Senhor que o profeta Isaías des­creve. Se Cristo pode aliviar as pessoas dos seus males corporais, que são a consequência e a pena do pecado, é porque tomou sobre si a ex­piação dos pecados do homem.

Na primeira sexta-feira santa da história, pelas ruas de Jerusalém, tornou-se realidade a efígie patética do Varão de dores que carregou sobre si o nosso pecado e as nossas doenças; mas mediante a sua hu­milhação até à morte fomos todos curados. Da maldição da cruz vem a bênção de Deus para todo o que crê no poder do Crucificado, en­quanto repete humildemente diante de Deus: Senhor, eu não sou digno, mas uma palavra tua bastará para me curar.

Bendizemos-te, Senhor, porque és capaz de mudar o pranto do que confia em ti em cânticos de alegria e esperança transbordantes.

Estamos atormentados e paralisados pela nossa maldade, mas basta uma palavra tua para que te louvemos com todos os que tu convidas para a festa do teu Reino. Ali puseste a mesa para os pobres da terra, sem reparar cm condições, raça ou situação social.

Não somos dignos das tuas bênçãos, mas tu amas-nos. Bendito sejas para sempre, Senhor!

 

Segunda-feira

Alt 8,18-22: Dois encontros de vocação.

O preço do seguimento

  1. Dois encontros de vocação. Intercalados na narração de vários milagres de Jesus que vimos lendo nestes dias, têm lugar dois breves relatos de vocação que vemos hoje. A um escriba ou doutor da lei mo­saica que diz a Jesus: Seguir-te-ei para onde quer que vás, ele res­ponde-lhe: “As raposas têm tocas e as aves do céu ninhos, mas o Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça”. Igualmente, a outro que já era seu discípulo e lhe pede: Deixa-me ir primeiro enterrar meu pai, Jesus diz-lhe: “Tu segue-me. Deixa que os mortos enterrem os seus mortos”.

Esta última exigência, superior ao dever sagrado de enterrar os próprios pais (ou acompanhá-los nos seus últimos dias), só se aplicava por lei ao sumo sacerdote e aos nazireus consagrados a Deus (Lv 21,11; Nm 6,6s). Mas Jesus é o “santo” de Deus por excelência e o sumo sacerdote da nova aliança’; por isso somente em relação com a missão de Cristo se entende esta sentença pouco “humanitária”.

Jesus não só apreciava o quarto mandamento, como inclusivamente denunciou as tradições rabínicas que o desvirtuavam, como a do corbã (Mc 7,9s). Ele não proíbe enterrar os mortos, mas encarece a urgên­cia do seu próprio seguimento para escapar à morte total, que é a do espírito, não a do corpo. Acompanhar Jesus é seguir aquele que é a ressurreição e a vida. Por isso afirma: “Deixa que os mortos (espiri­tualmente) enterrem os seus mortos (fisicamente)”. Tu vai anunciar o reino de Deus, acrscenta Jesus (segundo Lucas 9,60).

O evangelho de hoje evidencia que o seguimento de Cristo tem um preço. Ser seu discípulo não se resume em aceitar a sua doutrina; supõe a participação na sua vida e a comunhão no seu destino de sofri­mento e de alegria. A radicalidade da linguagem de Jesus nos dois en­contros de vocação quer acentuar a urgência do Reino como referên­cia básica do convite ao seu seguimento.

  1. A comunhão de destino com Jesus é algo extensivo a toda a vo­cação cristã. Cada crente recebe de Deus a chamada para a fé em Cristo e para o discipulado, para a conversão e para a santidade, para o amor e para o apostolado; e não de uma vez por todas, por exemplo no baptismo, mas repetidamente nos sacramentos da vida cristã, na proclamação da palavra, na comunidade de fé reunida no nome de

gunda-feira

Mt 7,1-5: Não julgueis e não sereis julgados.

O cisco 110 olho alheio

  1. Não condenar os outros. A partir do capítulo 7 de Mateus, que hoje começamos, o discurso da montanha parece tomar uma nova di­recção, orientado mais em particular para os discípulos, isto é, para os membros da comunidade cristã de Mateus e de todos os tempos. “Não julgueis e não vos julgarão… A medida que usardes usá-la-ão .. Como podes dizer ao teu irmão: ‘Deixa-me tirar o cisco do teu olho’, tendo uma trave no teu?”.

O contraste exagerado entre o cisco no olho alheio e a trave no próprio pode reflectir um provérbio popular de então, pois a rápida observação das faltas dos outros, em contraste com a tolerância para as falhas do próprio carácter, é tema comum em muitos adágios de todas as culturas e idiomas.

Com a lição do evangelho de hoje Jesus pretende chamar a atenção dos seus discípulos para um perigo que os ronda: Constituirem-se em elite, crerem-se superiores e separarem-se dos outros, como os fariseus. Isso é o significado de fariseu: separado.

O sentido que tem aqui o verbo “julgar” não é simplesmente fazer- -se uma opinião, algo que dificilmente poderemos evitar, mas julgar duramente, ou seja, condenar os outros, como se diz na passagem paralela de Lucas: “Não julgueis e não sereis julgados; não condeneis e não sereis condenados; perdoai e sereis perdoados” (6,37).

  1. Três razões para não condenar. Não devemos julgar e con­denar os outros por muitas razões, entre outras por estas três:

1a – O julgamento pertence a Deus e não a nós, porque só Deus conhece a fundo o coração do homem. Constituir-se em juiz dos ou­tros é uma ousadia irresponsável. Deus aceita-nos e ama todos tal como somos, e olha-nos com amor de Pai que dissimula as faltas dos seus filhos, a quem vê através do seu próprio Filho, Cristo.

Se anteriormente, ao longo do discurso da montanha, Jesus falou do perdão das ofensas e do amor inclusivamente ao inimigo, para ten­tar aproximar-nos ao menos um pouco da perfeição de Deus, agora está apontando à imitação da sua misericórdia. Como diz o livro da Sahedoria, Deus compadece-se de todos e corrige os que caem para que se convertam e acreditem n’Ele (1 l,23ss).

2a – A medida que usarmos com os outros usá-la-ão connosco. Isso

 

não quer dizer que Deus – a quem não se menciona no texto por res­peito – nos julgará com a nossa medida injusta e impiedosa. Esse não é o seu modo de proceder. Mas certamente quem age assim com os outros expõe-se a um julgamento mais severo para si mesmo.

Deus teria, digamos, duas medidas para o seu julgamento: uma de justiça, outra de misericórdia. Ele medir-nos-á com aquela que nós utilizarmos com os irmãos. E a mesma lição da parábola do devedor insolvente que é perdoado e não perdoa, ou a contida na petição do Pai nosso: Perdoa as nossas ofensas… O que condena o irmão auto- -exclui-se do perdão de Deus e cai sob a jurisdição da lei, que não deixará de o acusar e condenar como imperfeito que é.

3a – Todos somos imperfeitos, tanto e mais que os outros, ainda que, julgando-os com superioridade, os desprezemos. Tal atitude, des­provida de amor, provém da nossa própria cegueira que nos impede de ver os nossos defeitos. Manter conscientemente tal postura é hipocrisia astuta, cujo modelo no evangelho são escribas e fariseus.

É muito velho o costume de criticar os outros; assim pensamos jus- tificar-nos a nós como melhores. Mas a experiência demonstra que os mais críticos, os que julgam ser perfeitos, saber tudo e ter a melhor solução para qualquer problema, costumam ser os que menos fazem e levam aos outros.

Um olhar ao espelho, uma vista de olhos à nossa pequenez e insig­nificância, à nossa “trave” no olho, minimizará sem dúvida as falhas dos outros e far-nos-á mais tolerantes e acolhedores, pensando que os outros também têm que suportar-nos a nós. Conhecer as nossas pró­prias limitações, admiti-las e aceitá-las ensinar-nos-á a saber estar e viver com os outros. Assim caminharemos em verdade e simplicidade, com ânimo de companheirismo, tolerância e compreensão para com os outros sem os condenar.

Se Deus é optimista a respeito do homem e o ama apesar de tudo, o discípiulo de Cristo há-de ser o mesmo em relação aos seus irmãos. Este é um caminho mais seguro para a realização e a felicidade pes­soal do que o engano da presunção.

Bendito sejas, Senlior Jesus. Tu nos disseste:

Não condeneis os outros e não sereis condenados.

Felizes os misericordiosos que desculpam, compreendem e aceitam o irmão tal como é, porque assim c o proceder de Deus connosco.

Cura-nos radicalmente da nossa hipocrisia

que vê o cisco do próximo e dissimula a trave própria.

Dá-nos, Senhor, olhos puros para ver o bem, isto é, a tua imagem, no rosto do irmão, para acreditar nos outros e para amar a vida com um coração grande como o teu. Amen.

 

Alt 7,6.12-14: Várias máximas de Jesus.

A porta para a vida

  1. Três máximas de Jesus. O texto evangélico de hoje reúne três máximas independentes de Jesus sobre as coisas santas, a regra de ouro e a porta estreita.
  2. “ – Não profanar as coisas santas: “Não deis aos cães o que é santo, nem atireis as vossas pérolas aos porcos; pisá-las-iam e logo se voltariam para vos despedaçar”. Talvez Jesus esteja a repetir um adá­gio O cão e o porco eram animais impuros para os judeus. As coisas santas podem ser os alimentos santificados pelo culto, ou a doutrina do evangelho e do Reino. É difícil precisar quem são essas pessoas não merecedoras das coisas santas; pode referir-se aos judeus hostis, como escribas e fariseus, ou, menos provavelmente, aos pagãos.

2.3 – Rcqra de ouro, assim chamada porque resume todo o ensina­mento moral da lei no amor que procura o bem do próximo como o próprio: “Tratai os outros como quereis que eles vos tratem; nisto consiste a lei e os profetas”. É uma norma que tem paralelo tanto no judaísmo como nas antigas literaturas. A mais conhecida é a sua forma negativa, atribuída ao rabino Hilel (20 a.C.): “Não faças a outro o que não queres para ti. Isto é a lei; o resto é comentário”.

  1. a – Porta estreita que leva a vida: “Entrai pela porta estreita. Larga é a porta e espaçoso o caminho que leva à perdição, e muitos entram por eles. Que estreita é a porta e que apertado o caminho que leva à vida! E poucos os encontram”. Em Lucas esta máxima é a res­posta de Jesus a uma pergunta que lhe é feita sobre se são poucos os que se salvarão (13,23). Pergunta que está ausente em Mateus para manter a continuidade artificial do discurso da montanha. A máxima reflecte a conhecida doutrina bíblica e sapiencial dos dois caminhos, que se repete na literatura apostólica, por exemplo na Didaché.

Alguns autores dão a esta máxima um valor ético: Entrar pela porta certa é produzir frutos, cumprindo a vontade do Pai mediante a prática da palavra de Jesus. Outros preferem uma interpretação mais directa­mente cristológica: É “um chamamento para seguir Cristo, particular­mente Cristo sofredor, com todas as consequências morais e espiri­tuais que esta obediência encerra. Esta interpretação está avalizada por todo o conjunto do evangelho no que tem de mais essencial: as chamadas ao arrependimento, à fé, a seguir Cristo” (P. Bonnard).

  1. A porta para a vida. Trata-se, pois, do caminho da cruz que conduz à porta apertada que dá passagem para a vida no reino de Deus. O proprio Jesus e essa porta para a vida: “Eu sou a porta; quem entrar por mim será saho” (Jo 10,9).

Perante a permissividade socio-moral de hoje em dia, a “porta es­treita” de Jesus não é mpralismo intransigente, mas responsabilidade e lucidez dos que se esforçam por ser fiéis a Deus e aos princípios evangélicos: solidariedade, fraternidade e serviço ao irmão, em vez de egoísmo, agressividade e violência; controlo do consumismo em vez de idolatria do dinheiro e dos bens materiais; assimilação, enfim, do programa de santidade que Cristo expõe no discurso da montanha, cuja cobertura são as bem-aventuranças e cujo fundamento e moti­vação é a santidade de Deus a quem servimos: Sede perfeitos como o vosso Pai celestial é perfeito.

A chamada de Deus à santidade é para todos; vocação comum, em­bora diferenciada; universal, mas piuralista. Tender para a santidade cristã não é algo facultativo e opcional, reservado somente a alguns que consagram a sua vida a Deus e constituiriam uma classe aris­tocrática ou elite de cristãos de primeira categoria frente à grande massa de plebeus. Não; todo o discípulo de Cristo, e cada um segundo o seu estado, situação e carisma próprio, é chamado ã santidade em qualquer condição social e laborai: no matrimónio e na família, na vida consagrada, no trabalho de casa e do escritório, no hospital e no ensino, na oficina e 110 campo, por trás de um balcão, de um postigo ou de um volante.

E que fazer para sermos cristãos santos? Nada de espectacular: amar, servir e glorificar a Deus em todas as circunstâncias da vida, e amar os nossos irmãos como a nós mesmos. Nisso se resume toda a lei de Cristo, de que ele foi o exemplo mais perfeito, o caminho e a porta para a vida do Reino.

Obrigado, Pai nosso, porque nos destinaste a ser imagem de Jesus Cristo, teu Filho, de modo que ele é o primogénito entre muitos irmãos.

Ele é também a porta de entrada para a vida.

Faz-nos entender, Senhor, que a sua passagem estreita não é moralismo intransigente, mas libertação necessária antes que seja tarde e se feche a porta do Reino.

Concede-nos, Pai, responder à tua chamada: à nossa vocação cristã para a fidelidade plena.

Que o teu Espírito venha em ajuda da nossa debilidade, pedindo para nós o que nos convém. Amen.

Quarta-feira

Mt 7,15-20: Pelos seus frutos os conhecereis.

Pelo fruto se conhece a áivore

  1. Os falsos profetas. Partindo do aviso sobre os falsos profetas que se aproximam disfarçados de ovelhas, mas por dentro são lobos ferozes, Jesus remete-se às suas obras para os conhecer, tal como as árvores se conhecem pelos seus frutos. “As árvores sãs dão frutos sãos; as árvores más dão frutos maus”. Mediante este processo indu­tivo e experimental, Jesus previne contra o engano dos falsos profe­tas, pastores e doutores que pretendem falar à comunidade em nome de Deus. Embora a sua linguagem seja suave e mansa, o seu interior é egoísmo sem escrúpulos.

Como conhecê-los? Pela sua conduta, pelas suas obras; estas de­nunciam as suas verdadeiras intenções, como o fruto relativamente à árvore. Aviso e lição que são extensivos a todos os falsos discípulos de Jesus, os falsos irmãos, como se vê na passagem paralela de Lucas, em que Cristo se refere a todo o seu seguidor. Se bem que em Lucas os frutos, que em Mateus significam as obras, apontam para as palavras que brotam do coração: “O que tira do coração fala-o a boca” (Lc 6,45).

“A árvore que não dá boin fruto corta-se e lança-se ao fogo”. Esta consideração sobre o destino da árvqra má, imagem do falso profeta, liga com a pregação de João Baptista. Este denunciou o disfarce dos fariseus e saduceus: fingindo conversão diante do povo, que venerava o profeta autêntico que era João, acorriam ao seu baptismo sem von­tade de se emendarem. “Raça de víboras, quem vos ensinou a fugir da ira iminente? Dai o fruto que a conversão exige. O machado já está posto à raiz das árvores, e a árvore que não dá bom fruto será cortada e lançada ao fogo” (Mt 3,7s).

O tema dos falsos profetas teve muita importância nas primeiras co­munidades cristãs, como vemos pelos escritos de então; e continua tendo hoje em dia. Como distinguir o verdadeiro profeta, o santo, o carismático? O critério evangélico de hoje será sempre de permanente actualidade e avalizado pela experiência: o fruto que produzem com a sua pessoa, palavra e conduta. S. Paulo, depois de enumerar exausti­vamente as obras da carne, apresenta uma lista de nove frutos do Es­pírito de Deus: amor, alegria e paz, compreensão, serviço e bondade, lealdade, amabilidade e domínio de si (G1 5,22).

  1. Os frutos do coração. Temos de ir à raiz e ao fruto da árvore para não andarmos pela rama; isto é, temos de descer ao fundo do nosso coração para descobrir a sua maldade ou a sua bondade, a sua mentira ou a sua verdade, a sua esterilidade ou a sua fecundidade. Porque nem tudo o que brilha é ouro.

E quais são os frutos pelos quais se conhece o discípulo de Jesus? Os que assinala o discurso da montanha que vimos meditando nestes dias: a prática das bem-aventuranças, o perdão e o amor a todos, in­cluindo o inimigo, o dar sem pedir nem esperar nada em troca, a es­mola, o desprendimento, a oração, o não julgar e condenar os outros constituindo-nos em guias improvisados, censores moralizantes e fis­cais rigorosos dos outros sem ter convertido o próprio coração ou, pelo menos, tentar uma melhoria.

O autêntico discípulo de Jesus, o que é cristão e profeta de verdade, o que se sabe incorporado em Cristo pelo baptismo e pela obediência da fé, não deixará de produzir frutos maduros porque não poderá deixar de pensar, falar e actuar como Jesus. Mas da árvore doente e do coração que é um baldio agreste não podem sair senão frutos maus, palavras e acções estéreis; porque o que trazemos dentro é o que dei­xamos transparecer e produzimos.

Por isso, infelizmente, na palavra e actuação de tantos cristãos de número transvasa-se também o vazio interior e a imaturidade reli­giosa, evidentes nos seus critérios infantis e egoístas, nas suas críticas destrutivas, azedas e intolerantes, assim como no seu comportamento farisaico que os induz ao “cumpro-e-minto”, ou ainda a constituirem- -se em falsos profetas, guias cegos de outros cegos.

Necessitamos de um processo prévio de interiorização para que a qualidade e a força da seiva evengélica se note nos nossos frutos diários. Mas como, sem oração nem contacto com Deus, sem expe­riência do seu mistério, sem escuta e assimilação da sua palavra, sem diálogo pessoal com ele no silêncio do nosso coração?

Louvamos-te, Pai, porque Jesus nos ensinou a conhecer a fundo o nosso coração pelos seus frutos, pois o que temos dentro é o que deixamos transparecer: maldade ou bondade, mentira ou verdade, egoísmo ou amor.

Não permitas que o vazio interior do coração converta a nossa vida num árido baldio.

Que a seiva do teu Espírito dê fruto em nós mediante a prática das bem-aventuranças e a escuta da tua palavra em oração e silêncio.

Porque é no teu amor, Senhor, e na tua graça que a nossa casa tem alicerce e consistência.

 

Alt 7,21-29: A casa sobre rocha ou sobre areia.

Obras são amores

  1. Passe de entrada para o reino de Deus. O evangelho deste dia conclui o discurso da montanha, que vimos lendo desde segunda-feira da décima semana. Hoje Jesus aponta uma condição indispensável para entrar no Reino: cumprir a vontade de Deus. Este é o aval de pertença pelo qual ele nos reconhece como filhos seus e discípulos de Jesus. Não basta confessar Cristo, somente de palavra, como Senhor glorioso e ressuscitado de entre os mortos; há que juntar o cumprimento da vontade do Pai. Só assim a nossa justiça, santidade e fidelidade serão maiores que as dos escribas e fariseus, como Jesus desejava.

Para ilustrar a necessidade desta fé prática, a fé que nos salva, a fé que actua pela caridade (G1 5,6), Jesus expõe a parábola das duas casas, construídas uma sobre rocha e outra sobre areia. O verdadeiro discípulo de Cristo é o homem sábio que edifica sobre rocha, e o falso é o homem néscio que constrói a sua casa sobre areia movediça. O primeiro escuta e cumpre a palavra do Senhor; o segundo escuta-a mas não a põe em prática. Daí a sua ruína e desqualificação, porque a fé sem obras é estéril; mais ainda, está morta (Tg 2,17.20). “Obras são amores, e não boas razões”, reza o provérbio.

O “guardar os mandamentos” dos antigos catecismos continua em vigor, mas enriquecido com um maior substrato bíblico. Deus nunca começa exigindo, mas dando. O imperativo cristão funda-se no in­dicativo do dom de Deus, que nos torna seus filhos, homens e mulhe­res novos pelo baptismo em Cristo morto e ressuscitado. O primeiro é sempre o amor de Deus; depois, logicamente, torna-se urgente uma resposta pessoal mediante a conversão do coração e a fidelidade quo­tidiana ao Senhor.

Desta maneira uniremos fé e obras, crenças e condutas, e evitare­mos um escolho frequente, causa de desprestígio e antitestemunho cristão: o divórcio entre fé e vida por parte dos que se confessam crentes e praticantes.

  1. O exemplo de Cristo, para evitar enganos. Cumprir a vontade de Deus supõe conhecer o querer divino. Onde encontrar um guia se­guro que nos livre de ilusões e subjectivismos? Na pessoa e conduta de Jesus de Nazaré, que pôde afirmar: O meu alimento é fazer a vontade do Pai que me enviou (Jo 4,34). E no momento da prova suprema, na sua paixão, repetia: Pai, não se faça a minha vontade, mas a tua (Lc 22,42). Portanto, seguindo o exemplo de Cristo, acertaremos. Ele falou e actuou com autoridade.

No discurso da montanha que vimos em fragmentos diários, achamos um excelente resumo do seu pensamento e das atitudes bási­cas de quem se propõe ser seu discípulo. Assimilando o espírito das bem-aventuranças, o cristão deve ser luz do mundo e sal da terra, deve ter fome da nova justiça do reino de Deus, deve ser capaz de per­doar amando todos, inclusivamente o inimigo, e deve servir a Deus e não ao dinheiro. Assim cumpriremos seguramente a vontade divina.

A palavra de Deus é eficaz como a chuva e a neve, e penetrante como espada de dois gumes. Por isso a palavra de Deus pede uma resposta nossa; mais ainda, lê o fundo do nosso coração e julga-nos. Uma medi­tação diária e amorosa da palavra convertê-la-á em eixo da nossa vida cristã e em elemento constitutivo e nuclear da nossa estrutura pessoal.

Temos uma certa tendência para suavizar as afirmações categóricas de Jesus, qualificando-as de radicalismo verbal ou literário. Uma delas é a do evangelho de hoje: “Nem todo aquele que me diz ‘Senhor, Se­nhor’ entrará no Reino dos céus, inas o que cumpre a vontade de meu Pai que está nos céus”. Pode alguém inclusivamente realizar milagres em nome de Cristo e não ser reconhecido por ele como seu; porque não são os lábios, inas o coração, a vontade e as obras que contam para conseguir o passe de entrada no reino de Deus.

Não podemos hoje pôr de lado as sérias interrogações que nos coloca a palavra de Jesus: A que classe de cristãos pertencemos? Somos a casa sobre rocha ou sobre areia? Amar a Deus e os irmãos é o quadro completo da vontade divina sobre cada um de nós, que que­remos construir solidamente sobre a rocha e pedra angular que é Cristo.

A tua palavra, Senhor, é eficaz e julga-nos.

Bem-aventurado o que a escuta e a cumpre!

Será casa edificada sobre rocha, árvore junto do açude.

Pois a tua lei, Senhor, é peifeita e é descanso da alma; o teu preceito é sempre fiel e instrui o ignorante, os teus mandatos são rectos e alegram o nosso caminho, a tua norma é límpida e dá luz aos olhos do cego.

Os teus mandamentos, Senhor, são inteiramente justos, mais preciosos que o ouro, mais doces que o mel.

Por isso a tua lei é a minha herança, a alegria da minha vida.

Inclina o meu coração para cumprir cabalmente a tua vontade.

Amen.

 

Sexta-feira

Mt 8,1-4: Se queres, podes limpar-me.

Os milagres da fé

  1. Um diálogo de fé. O evangelista Mateus, depois de apresentar Jesus como doutor e novo legislador no discurso da montanha (cc. 5- 7), mostra-o como curador numa série narrativa de dez milagres, agrupados por tríades que se concluem com uma passagem doutrinal (cc. 8-9). Assim completa a imagem de Cristo, profeta e homem de Deus, poderoso em obras e palavras.

O evangelho de hoje relata o primeiro milagre da primeira tríade: cura de um leproso. A cena tem lugar “ao descer Jesus da montanha”. Apro­ximou-se dele o leproso e disse-lhe: Senhor, se queres podes purificar- me. Jesus estendeu a mão e tocou-o, dizendo: Quero. Fica purificado! E imediatamente ficou curado da lepra (cf Mc l,40ss; Lc 5,12ss).

Importa destacar que a cura é precedida de um breve diálogo que expressa a fé do agraciado. O leproso, de joelhos diante de Jesus, chama-o “Senhor”, título que a primitiva comunidade cristã deu a Cristo ressuscitado. A fé pascal transvasou-se para a redacção evan­gélica, posterior aos factos narrados. Mas a fé do doente é evidente: Se queres, podes limpar-me. Isto demonstra-nos, uma vez mais, que a fé era condição indispensável para os milagres de Jesus, sobre os quais reflectimos noutra ocasião sob a perspectiva libertadora de Deus (ver quarta-feira da vigésima segunda semana).

  1. Condição prévia. Os milagres, mais que apoiar a fé em Cristo, brotavam da fé prévia nele. Era a fé dos que lhe suplicavam e confia­vam no poder de um homem de Deus que suscitava a intervenção ex­traordinária da energia divina que residia na pessoa, palavra e gestos de Jesus de Nazaré. Contudo, também é certo que, num segundo mo­mento, o milagre vinha confirmar e afiançar essa fé inicial, como anota o evangelista João depois de relatar a conversão da água em vinho nas bodas de Caná: “Jesus manifestou a sua glória e cresceu a fé dos seus discípulos nele” (2,11).

A tal ponto a fé era pressuposto essencial e condição indispensável para os milagres, que onde Jesus não encontrava fé, como sucedeu com os seus conterrâneos de Nazaré, “não podia” fazer nenhum milagre (Mc 6,5). Uma e outra vez Cristo repete às pessoas agraciadas por ele com um favor prodigioso: A tua fé te curou, a tua fé te salvou. O apóstolo Pedro foi capaz de caminhar sobre as ondas encrespadas do mar da

 

Galileia enquanto durou a fé; quando duvidou, começou a afundar-se. Em certa ocasião em que os discípulos tentaram curar um endemoninha­do epiléptico sem o conseguirem, Jesus atribui-o à sua falta de fé, que se tivesse sido como um grão de mostarda teria bastado (Mt 17,19ss).

A fé que Cristo requeria como premissa para os seus milagres era uma fé, pelo menos inicial, na sua pessoa como messias enviado por Deus; definitivamente, fé no poder salvador de Deus. Pois os milagres estavam em relação directa com a salvação proclamada pela boa nova do reino de Deus, presente na pessoa e no anúncio de Jesus. Daí a ne­cessidade da fé nele.

  1. Milagres e libertação huniana. Cada milagre de Cristo procla­ma que ele é fonte de vida, esperança e libertação para o homem; por­que o significado mais profundo dos milagres de Jesus radica no seu mistério pascal, na sua vitória sobre a morte por meio da sua ressur­reição, que é o maior dos seus milagres.

Próximo da morte, João Baptista interrogou Jesus sobre a sua iden­tidade messiânica. Cristo respondeu remetendo-se à sua pregação e milagres: “Os cegos vêem e os inválidos andam, os leprosos ficam limpos e os surdos ouvem, os mortos ressuscitam e aos pobres é anun­ciada a boa nova” (Mt 1 l,4s). Notemos que o anúncio do evangelho vai unido e equiparado às curas. Jesus tornava assim efectivo o pro­grama messiânico de libertação integral do homem que foi traçado na sinagoga de Nazaré, e uniu assim indissoluvelmente evangelização e libertação humana, como sinais ambos da presença e eficácia sal­vadora do reino de Deus na sua pessoa.

Tal exemplo libertador assinala-nos um caminho de compromisso cristão com a libertação da dor dos nossos semelhantes em qualquer das suas manifestações: doença e fome, miséria e ignorância, opressão e escravidão. Por que outro meio, senão este, pode o mundo de hoje captar a presença de Cristo e a acção libertadora do seu evangelho entre os homens, nossos irmãos?

Obrigado, Pai, porque Jesus, curando os leprosos, mostrou-nos que o amor não marginaliza ninguém, antes regenera a pessoa, restabelecendo-a na sua dignidade.

Cada cura de Cristo fala-nos do seu coração sensível e confirma-nos na chegada do teu Reino e do teu amor.

Obrigado também por tantos homens e mulheres entregues à fascinante tarefa de amar os seus irmãos e libertar os pobres e marginalizados da sociedade: famintos, doentes, idosos, presos, exilados…

Sacia a sua fome de justiça e dá êxito ao seu empenho; e a nós impele-nos a seguir o exemplo de Jesus, ser\’indo a Cristo nos nossos irmãos mais abandonados.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                       

             

 

SÁBADO

Mt 8,15-17: Em Israel não encontrei tanta fé.

Carregou com as nossas doenças

  1. Uma porta que se abre. Se ontem Jesus curava um leproso judeu, hoje é um centurião romano, um não judeu, um pagão, mais ainda, um membro do exército estrangeiro de ocupação, quem benefi cia da vida que brota de Cristo. Tudo graças à fé e à humildade do su­plicante; a ponto de Jesus comentar: Em verdade vos digo que em Is­rael não encontrei em ninguém tanta fé.

O elogio desta fé do centurião, que é proveitosamente confrontada com a incredulidade do povo eleito, encerra um valor intencional que aponta para a abertura do evangelho aos não judeus. Assim, o evan­gelista Mateus, que escreve para judeo-cristãos, declara aberta a porta do Reino aos pagãos. Ponto importante na vida da primeira comu­nidade cristã, de origem judaica na sua maioria, que devia abrir o evangelho aos não judeus, como fez Cristo com o centurião romano. Igualmente a Igreja de hoje deve ser lugar aberto a todos e sinal de es­perança e salvação para todo o homem e mulher hoje em dia. Assim se cumprirá a predição de Cristo: Virão muitos do oriente e do oci­dente e sentar-se-ão com Abraão, Isaac e Jacob no Reino dos céus.

No relato de Mateus o centurião acorre em pessoa a falar com Jesus; no de Lucas, porém, fá-lo por meio de legados (7, lss). Mas em ambos os casos a mesma fé e confiança, a mesma humildade – quem sou eu para que entres debaixo do meu tecto? -, a mesma cura à dis­tância. Este último pormenor não é algo habitual nos evangelhos. Jesus costumava curar na presença do doente, unindo a sua palavra ao contacto físico que transmitia o poder divino que dele emanava. Mas aqui a fé imensa do suplicante – tal como a da mulher cananeia, ambos pagãos (Mt 7,21 ss) – consegue um milagre totalmente extraordinário. Fundiu-se assim a eficácia da fé suplicante e da palavra toda poderosa.

  1. A humildade é pressuposto para a fé. Temos de dar uma margem de confiança a Deus, confiar em Jesus Cristo, que é a sua Palavra pessoal, e aceitar o claro-escuro da fé sem ceder à psicose de segurança palpável, que é sempre propícia aos mecanismos da magia e da superstição religiosas. Porque se torna tão difícil ao homem de hoje o acreditar, confiando em Deus e entregando-se incondicional­mente a Ele? Não pode haver fé verdadeira sem uma profunda humil­dade. O centuriãode Cafarnaum é modelo de ambas as virtudes. Todos

 

os grandes crentes e santos da história foram profundamente humildes diante de Deus e dos outros.

A nossa atitude lógica, realista e consequente diante de Deus deve ser a do soldado romano. Senhor, eu não sou digno. Assim rezava também o publicano da parábola: Senhor, tem compaixão de mim. Esta atitude é que nos merece o favor de Deus, pois o seu amor e sal­vação são sempre gratuitos e não se devem aos nossos méritos. A re­flexão de Jesus: “Nem em Israel encontrei tanta fé”, é um aviso, se não uma acusação, para aqueles que são cristãos desde sempre.

De pouco nos serviria repetir as palavras do centurião em cada eu­caristia antes de comungar, se não copiamos a sua disposição anímica: fé impregnada de humildade. Fé e humildade são duas virtudes que andam unidas. O que cré no Deus santo, quando se vê a si mesmo pecador e mesquinho, não pode deixar de exclamar com sinceridade: Senhor, eu não sou digno!

  1. O servo paciente. O evangelho de hoje, depois de dar nota da cura do criado do centurião romano e da sogra do apóstolo Pedro, anota sumariamente uma grande quantidade de curas de doentes por Jesus. E conclui: “Assim se cumpriu o que disse o profeta Isaías: Ele tomou as nossas doenças e carregou com as nossas enfermidades”. Alusão evidente ao servo paciente do Senhor que o profeta Isaías des­creve. Se Cristo pode aliviar as pessoas dos seus males corporais, que são a consequência e a pena do pecado, é porque tomou sobre si a ex­piação dos pecados do homem.

Na primeira sexta-feira santa da história, pelas ruas de Jerusalém, tornou-se realidade a efígie patética do Varão de dores que carregou sobre si o nosso pecado e as nossas doenças; mas mediante a sua hu­milhação até à morte fomos todos curados. Da maldição da cruz vem a bênção de Deus para todo o que crê no poder do Crucificado, en­quanto repete humildemente diante de Deus: Senhor, eu não sou digno, mas uma palavra tua bastará para me curar.

Bendizemos-te, Senhor, porque és capaz de mudar o pranto do que confia em ti em cânticos de alegria e esperança transbordantes.

Estamos atormentados e paralisados pela nossa maldade, mas basta uma palavra tua para que te louvemos com todos os que tu convidas para a festa do teu Reino. Ali puseste a mesa para os pobres da terra, sem reparar cm condições, raça ou situação social.

Não somos dignos das tuas bênçãos, mas tu amas-nos. Bendito sejas para sempre, Senhor!

 

Segunda-feira

Alt 8,18-22: Dois encontros de vocação.

O preço do seguimento

  1. Dois encontros de vocação. Intercalados na narração de vários milagres de Jesus que vimos lendo nestes dias, têm lugar dois breves relatos de vocação que vemos hoje. A um escriba ou doutor da lei mo­saica que diz a Jesus: Seguir-te-ei para onde quer que vás, ele res­ponde-lhe: “As raposas têm tocas e as aves do céu ninhos, mas o Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça”. Igualmente, a outro que já era seu discípulo e lhe pede: Deixa-me ir primeiro enterrar meu pai, Jesus diz-lhe: “Tu segue-me. Deixa que os mortos enterrem os seus mortos”.

Esta última exigência, superior ao dever sagrado de enterrar os próprios pais (ou acompanhá-los nos seus últimos dias), só se aplicava por lei ao sumo sacerdote e aos nazireus consagrados a Deus (Lv 21,11; Nm 6,6s). Mas Jesus é o “santo” de Deus por excelência e o sumo sacerdote da nova aliança’; por isso somente em relação com a missão de Cristo se entende esta sentença pouco “humanitária”.

Jesus não só apreciava o quarto mandamento, como inclusivamente denunciou as tradições rabínicas que o desvirtuavam, como a do corbã (Mc 7,9s). Ele não proíbe enterrar os mortos, mas encarece a urgên­cia do seu próprio seguimento para escapar à morte total, que é a do espírito, não a do corpo. Acompanhar Jesus é seguir aquele que é a ressurreição e a vida. Por isso afirma: “Deixa que os mortos (espiri­tualmente) enterrem os seus mortos (fisicamente)”. Tu vai anunciar o reino de Deus, acrscenta Jesus (segundo Lucas 9,60).

O evangelho de hoje evidencia que o seguimento de Cristo tem um preço. Ser seu discípulo não se resume em aceitar a sua doutrina; supõe a participação na sua vida e a comunhão no seu destino de sofri­mento e de alegria. A radicalidade da linguagem de Jesus nos dois en­contros de vocação quer acentuar a urgência do Reino como referên­cia básica do convite ao seu seguimento.

  1. A comunhão de destino com Jesus é algo extensivo a toda a vo­cação cristã. Cada crente recebe de Deus a chamada para a fé em Cristo e para o discipulado, para a conversão e para a santidade, para o amor e para o apostolado; e não de uma vez por todas, por exemplo no baptismo, mas repetidamente nos sacramentos da vida cristã, na proclamação da palavra, na comunidade de fé reunida no nome de